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O Rei Leão (2019) | Como destruir um clássico

Os estúdios Walt Disney se tornaram um grande monopólio das animações, principalmente depois de ter adquirido a Pixar e aumentado exponencialmente seu império cinematográfico. Logo, foi quase automático perceber que a companhia deveria encontrar seu próximo caminho após usar e abusar das animações em 3D, ainda mais considerando que o pioneirismo artístico já se tornara bastante popular – e, como forma prática de lucrar em cima da nova geração que desconhecia seus clássicos longas-metragens, os executivos responsáveis pela produção fílmica resolveram investir seus esforços em remakes em live-action, fornecendo uma nova roupagem para icônicos personagens e histórias.

As releituras contemporâneas ganharam expressiva voz depois do lançamento de “Malévola” (2014), eternizando uma das vilãs mais memoráveis da história do cinema na persona de Angelina Jolie. Desde então, a Disney trouxe outros contos mais uma vez para as telonas, modernizando alguns aspectos datados, aumentando o tempo de cena e lapidando certas pontas soltas. Entretanto, tais remakes permaneceram seguindo em uma catastrófica onda que não conseguia recuperar a magia das obras originais ou nos comover como fizer décadas atrás – com raríssimas exceções como “Aladdin” (2019) e “Mogli – O Menino Lobo” (2016). Agora, o panteão animado retorna pela terceira vez neste ano prometendo nos emocionar com o “O Rei Leão” (2019).

Para aqueles que esperavam uma grande produção que honrasse a história de Simba, sinto lhes informar que o longa falha em quase todos os aspectos – com exceção do incrível visual fotorrealista. De resto, nada consegue capturar a essência da iteração de 1994; na verdade, o tour-de-force­ do protagonista-título é apenas uma cópia unidimensional bizarra demais, seja pelos escapes cômicos que nunca alcançam a quebra de expectativa necessária, seja pela atuação sem química de quase todos os personagens – nem mesmo Beyoncé e Donald Glover se salvam de entregar algo sem vida. Na verdade, as catarses insurgem pela pedante trilha sonora mais uma vez supervisionada por Hans Zimmer e todo seu aparato cultural que enfia em nos atos.

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Para aqueles que não se recordam, a narrativa é livremente baseada na peça Hamlet (1601) de William Shakespeare. A sequência de abertura é nostálgica por ser absolutamente idêntica ao Ciclo da Vida de vários anos atrás, com Mufasa (James Earl Jones em mais uma solene rendição), rei do orgulho africano, mostrando a cada um dos animais da savana o nascimento de seu filho Simba (JD McCrary). Por outro lado, a sucessão engessada do trono continua a cultivar ressentimentos no vilão Scar (Chiwetel Ejiofor), que, conforme o jovem leão cresce, arquiteta um plano para se tornar o governante daquelas terras e dar início a um caótico império dominado por ele e pelas traiçoeiras hienas.

O primeiro aspecto impalpável e estranho, por assim dizer, vem com a construção em computação gráfica dos protagonistas e coadjuvantes. Jon Favreau alcançou notável reconhecimento com sua competente direção em “Mogli”, até mesmo superando o material de 1967, e busca alcançar o mesmo patamar aqui. Entretanto, precisamos nos lembrar que o realismo imprimido nessa nova versão é tamanho que drena qualquer expressividade; os elementos performáticos que nos envolveram quase trinta anos atrás são levemente recuperados pelas delineações vocais tanto do elenco-mirim quanto do veterano, mas parecem deslocados desde o primeiro momento em que os animais antropomorfizados abrem a boca.

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De fato, o filme seria melhor aproveitado caso se mantivesse num aspecto mudo. Parece engraçado fazer essa constatação, mas até as construções mirabolantes que reafirmam as deliciosas canções de Elton John perdem a força quando observamos as figuras animalescas correndo pela árida ambientação. “I Just Can’t Wait to Be King”, em toda sua arquitetura epopeica e premeditada, tangencia uma extensão dos programas documentários do National Geographic; a nova versão de “Be Prepared”, um deleite para os ouvidos, é uma tentativa tão insossa de transformar a jornada de Simba em algo mais obscuro e sombrio que chega a ser cômica; talvez as únicas canções que se salvam dos deslizes são “Circle of Life” e “The Lion Sleeps Tonight” (e olhe lá).

Se Glover e Beyoncé pecam em suas atuações como Simba e Nala, respectivamente, ao menos Seth Rogen e Billy Eichner aguçam nossos sentidos para uma química que também não é explorada ao máximo, ainda que esteja lá. Rogen, dando vida a um medonho Pumba, recupera a personalidade do personagem animado e rouba os holofotes mais de uma vez, apesar de ser esquecido na chegada do terceiro ato. Entretanto, como já mencionado, suas piadas e seus diálogos irreverentes nunca chegam na dimensão pretendida.

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O ápice do conto, encarcerada na luta final entre o bem e o mal, é o máximo de emoção que o filme ousa nos entregar. Scar e Simba trocam falas infantilizadas demais antes de partirem para sua luta – enquanto Nala e Sarabi (Alfre Woodard) lideram as outras leoas para atacar as hienas. Tal cena é moldada em uma duração aprazível o suficiente para que apaguemos tantos erros; porém, acaba abruptamente em uma conclusão apressada e esquecível.

Com exceção da atmosfera bem produzida e restringida aos chocantes e adoráveis cenários, “O Rei Leão” (2019) prova mais uma vez que os estúdios Walt Disney precisam investir em histórias novas. A urgência dessa originalidade deixa claro que os remakes promovidos pela companhia são desnecessários, cujo objetivo não é cativar seu público, e sim lucrar o máximo que conseguir – ainda que em detrimento de um produto realmente bom.

Escrito por Equipe Proibido Ler

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