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Sinfonia da Necrópole (2016) | Um viés crítico inusitado sobre a vida nas grandes cidades

Após dois anos circulando entre os principais festivais de cinemas do país e depois de acumular uma certa “gordura” de público e crítica, Sinfonia da Necrópole finalmente estreou no circuito comercial. A comédia musical ambientada em um cemitério é o primeiro trabalho de Juliana Rojas assumindo integralmente a direção de um filme. Seu antecessor “Trabalhar Cansa (2011)”, ela conduziu o longa ao lado do cineasta Marco Dutra.

Juliana também assina o roteiro que apresenta uma história que se passa em São Paulo e foi gravada em quatro cemitérios da cidade, o cemitério do Araçá, Santíssimo Sacramento, da Consolação e da Vila Mariana. A trama gira em torno da rotina do aprendiz de coveiro Deodato (Eduardo Gomes), um cara meio medroso, que não está muito satisfeito com o seu emprego, mas se esforça para se dar bem e não desapontar o tio que foi a pessoa quem o colocou lá dentro. Porém, tudo muda de figura quando aparece a pragmática Jaqueline (Luciana Paes), uma funcionária do serviço funerário que foi incumbida de verticalizar a necrópole, desta forma sobraria mais espaços para novos túmulos e consequentemente mais dinheiro seria arrecadado para o município. Para isso acontecer, Jaqueline terá que fazer um inventário sobre a situação dos túmulos do cemitério, realizar um recadastramento e remanejar ou dar fim aos túmulos abandonados rumo à verticalização da necrópole. Para isso, Jaqueline contará com a ajuda do auspicioso e comedido, Deodato. Com o passar dos dias e com a evolução e relacionamento com Jaqueline, Deodato acaba se envolvendo com a colega de trabalho e essa paixão inesperada vai trazer consequências para ele e para seu destino no cemitério. Tudo isso regado a eventos sobrenaturais, humor negro e grandes números musicais.

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Num primeiro momento Sinfonia da Necrópole pode assustar pelo nome, tanto quanto, pelo fato de levar a palavra “musical” em seu gênero. O longa de Juliana Rojas, bebe da fonte de diversos gêneros, como o terror, o suspense, o fantástico e tudo isso com uma pitada bem bacana de humor negro. Mas eu sei que a palavra “musical” pode afastar bastante gente. Inclusive eu, que só fui assistir esse filme depois de ver o trailer. Parece algo comum, mas geralmente a maioria dos filmes em que eu resenho por aqui, eu não me preocupo em saber nada sobre ele de antemão, exceto pelo título do filme, pela direção e elenco. De resto, eu dificilmente vou atrás. Isso faz com que eu chegue à sala de cinema sem quaisquer expectativa sobre a película e isso me ajuda demais na hora de formar minha opinião sobre o que passou diante dos meus olhos. Com Sinfonia da Necrópole foi diferente, se eu tivesse me ligado apenas pelo título, elenco e produção ele estaria fadado ao meu esquecimento. O longa carrega dois gêneros que eu odeio muito em um filme, primeiro por se tratar de um musical e segundo por se passar dentro de um cemitério o que obviamente a maioria liga esse fato ao gênero de terror. Eis que ao assistir o trailer eu vi que estava enganado e resolvi conferir o filme na íntegra. E o resultado do que vi em tela me impressionou.

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Sinfonia da Necrópole não pende exacerbadamente para nenhum gênero, todos eles aparecem em harmonia e nenhum excede o espaço do outro. Rojas soube trabalhar muito bem com a naturalidade, e como cada momento em tela casaria com a próxima cena ser exibida. Os números musicais  – que tiveram uma produção bem elaborada e contou com letras de música da própria diretora –  ocorreram de forma natural, sem aquela forçação de barra chata dos musicais que me fazem não simpatizar com o gênero.

A forma como a necrópole é apresentada afasta qualquer um do sentimento sombrio e fúnebre do lugar. Você a enxerga como um lugar comum, mas isso só é possível quando ela nos apresenta a fauna do lugar. Temos um cara que vai ao cemitério todo dia falar com o padre da capela questionando os motivos pelo qual Deus não o levou dessa para melhor, os coveiros, o administrador, a vendedora de coroa de flores, o vendedor de picolés e tantos outros coadjuvantes que transformam o cemitério numa verdadeira “cidade”.

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Rojas também entra no âmbito da crítica social, é notável que toda a situação que o cemitério vai passar com o recadastramento e com a remoção e posterior remanejamento dos jazigos e túmulos para urnas numas espécie de “prédios”, mostra a força brutal do capitalismo e da especulação imobiliária. Além, é claro, de se contrapor aos problemas que ninguém parece se preocupar nessas horas, como o respeito aos donos dos túmulos e também ao morto que vive nele, o serviço funerário quer dar praticidade às famílias e consequentemente colocar mais gente num lugar que não cabia mais ninguém. Não importa as suas raízes, nem o sentimento e apego que você tem ao local, nós temos poder e vamos passar por cima disso tudo e,  se você não aceitar,  nada que uma pressãozinha dos demais não contribua para você ponderar sobre o assunto até ser vencido pelo cansaço. É mais ou menos isso que acontece com aquelas incorporadoras que compram uma vizinhança inteira e dizimam tudo para construir empreendimentos enormes.

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O elenco tem uma força muito grande da atuação teatral, tanto os seus trejeitos, expressões e o tempo de fala carregam essa característica. Eduardo Gomes convence muito bem como Deodato e a sensibilidade do personagem é passado para o espectador sem dificuldades. Em muitos momentos eu me identifiquei com o personagem e talvez por isso eu tenha gostado ainda mais de sua trajetória. Luciana Paes está muito bem em cena, sua pose de durona, com atitudes de preto no branco ou de “eu vim aqui para fazer o que eu tenho que fazer e não importa o que os demais vão pensar ou achar”, constrói em tela a crítica necessária que a personagem tem que desempenhar. O ponto (Deodato) e o contraponto (Jaqueline) funcionam muito bem juntos, inclusive nos números musicais.

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Os números musicais são sensacionais, eu enxerguei muito do teatro neles, mesmo os mais simples, desde a posição de cada um em tela, a sincronia, a forma com que eles percorriam o espaço cenográfico, o tom de voz que cada personagem empregava na cenas e as coreografias carregam algo muito mais visto nos palcos do que nos filmes. Isso foi um ponto muito positivo. As letras de fácil assimilação e a melodia empregada em cada uma delas fizeram jus aos prêmios que o longa recebeu de melhor trilha sonora nos festivais que participou. Detalhe para o número que começa com o gotejar da chuva sobre o parabrisa de um rabecão

Mesmo com todos esses pontos a serem notados de forma positiva, Sinfonia da Necrópole apresenta alguns problemas como qualquer outro filme. E para mim o principal é o desfecho de algumas cenas, como o envolvimento de Deodato com a própria Jaqueline, a sua relação com os mortos do cemitério e também o final meio abrupto, porém totalmente compreendível do longa.

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Ainda assim, Sinfonia da Necrópole é um filme surpreendente que traz um viés crítico inusitado sobre a vida nas grandes cidades. Ele te faz rir, te faz pensar, te faz cantar e sair da sala do cinema repensando o seu papel na metrópole que teus pés caminha todos os dias.

Sinfonia da Necrópole estreou dia 14 de abril de 2016.


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Escrito por Bruno Fonseca

Fundador e editor-chefe do PL. Jornalista apaixonado por quadrinhos, filmes, games e séries.

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