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Vice (2018) | Irreverência Além da Conta

O cinema hollywoodiano tem um apreço muito grande pelo nacionalismo, por mais desconstruído que ele seja. Nos últimos anos, a louvação romântica dos heróis estadunidenses, que ganhou bastante expressão com o início da Guerra Fria, deu lugar a um cruel realismo que transformou as figuras heroicas em construções humanas, palpáveis, passíveis de erro e de julgamento pelos espectadores – por mais que isso tenha causado algumas ondas de revolta. E um dos nomes que despontaram recentemente para fornecer uma perspectiva multidimensional e mais abrangente acerca de acontecimentos decisivos para a história norte-americana foi Adam McKay, que ganhou bastante prestígio em 2015 ao nos entregar o “documentário” ficcional e extremamente irreverente A Grande Aposta (2016), tornando a Crise de 2008 bem mais envolvente, explicativa e didática, além de ter insurgido como um dos melhores filmes do ano.

Quatro anos depois, McKay retorna para os cinemas em uma outra investida, agora respaldando-se nas cinebiografias e focando em um dos nomes mais controversos da política dos Estados Unidos: Dick Cheney, vice-presidente do presidente George W. Bush Jr., cujos métodos radicalistas chocaram as camadas liberais e progressistas do norte do país e agradaram o conservadorismo desmedido dos sulistas. É claro que, diferente das fórmulas que cercam esse gênero, o diretor busca encontrar um novo jeito de contar histórias, misturando suis-generis um tanto quanto estranhos para compor sua obra e, num escopo aceitável, por falta de outro adjetivo, consegue encontrar o que deseja passar. Entretanto, isso não quer dizer muita coisa, visto que as escolhas técnicas e artísticas eventualmente deixam o longa-metragem cansativo e perdido demais.

Christian Bale também marca sua segunda colaboração com McKay ao dar vida ao personagem-título. Bale, como sempre, posta-se com uma afinidade incrível ao personagem, reafirmando seu status como “camaleão do cinema” e engordando quase vinte quilos para dar vida a Cheney. Provindo de uma vida devassa que inclusive o fez ser expulso de Yale por brigas e bebidas, o futuro político manteve-se em um medíocre cotidiano, trabalhando como eletricista e gastando suas economias em bares, além de ser preso inúmeras vezes por dirigir embriagado e levar sua noiva, Lynne (Amy Adams), a chegar ao ápice de sua paciência. Mesmo com o relacionamento abusivo, Lynne tem plena ciência de que precisa de Dick para sobreviver, visto que, à época, as mulheres não tinham muito espaço na esfera trabalhista e eram compulsoriamente obrigadas a ficarem em casa.

Entretanto, ele acaba encontrando sua vocação ao graduar-se em ciências políticas e conseguir um estágio no próprio senado estadunidense, apaixonando-se pela vertente republicana após um discurso memorável proferido por Donald Rumsfeld (Steve Carell em mais uma de suas brilhantes performances). Logo depois disso, ele finalmente entra para o perigoso e volátil mundo presidencial, trabalhando como assistente do assessor do presidente ao lado de Rumsfeld e trilhando um sucesso incontrolável ao lado da esposa, que, em meio a perdas e a tragédias, emergiu como uma aliada importante para trazer poder a seus nomes. É aqui que Adams e Bale mostram que possuem uma química interessante, ainda que ela não seja suficiente para nos envolver durante toda a narrativa – na verdade, ambos os atores brilham muito mais quando protagonizam suas próprias sequências.

Sam Rockwell também as caras aqui como Bush e resgata os principais trejeitos do ex-presidente, incluindo seus tiques com a boca e o sotaque sulista, bem como o conservadorismo exacerbado que, por vezes, é confrontado com a própria configuração da família de Cheney, seu braço-direito. Aqui, Alison Pill e Lily Rabe também encontram um espaço interessante para se construírem como as filhas de Dick e Lynne, e Pill, dando vida à Mary, assume-se lésbica e vem como um divisor de águas para os valores tradicionalistas defendidos pelos pais. Talvez seja a partir daqui que a figura de Cheney sofra uma densa humanização, inclusive colocando-o a par de pensamentos controversos (ele era um adorador de Nixon, assim como a esposa, e sempre fez de tudo para agradar os homofóbicos moradores de seu estado natal).

O grande problema, porém, não está na narrativa em si, mas sim como transmutá-la para uma construção cinematográfica. McKay mais uma vez busca o anacronismo cênico com montagens que transitam entre a cronologia presente e passado, tornando-se mais frenética conforme Dick está prestes a tomar uma importante decisão. Porém, essa repetição fica previsível após o segundo ato e deixa a continuidade da história monótona, mesmo com as viradas e os falsos finais propositais que o diretor, responsável também pelo roteiro, coloca em prol de se conectar mais fielmente ao público.

A comicidade é outro recurso bastante utilizado na obra – e também já esperado, considerando que A Grande Aposta trouxe irreverências muito inteligentes e bem estruturadas. Aqui, a rebeldia construtiva ganha força com a narração feita por Kurt (Jesse Plemons), uma pessoa simples que, na verdade, não tem tanta importância e não mudaria muita coisa para nosso entendimento – exceto, talvez, por uma das resoluções do ato final. Mas apesar de compreendermos o que McKay tentou fazer com essa mistura de narrativas e perspectivas, o resultado final deixa a desejar, com exceção das entregas de um elenco de ponta.

Vice (2018) é um filme que se perde em meio a tantas tentativas de ser absolutamente tudo. A longevidade do longa-metragem contribui para nos afastar desse envolvimento, porém não podemos tirar mérito das intenções do diretor em fornecer um novo ponto de vista aos “heróis imaculados” da história norte-americana.

Escrito por Equipe Proibido Ler

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