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Brinquedo Assassino (2019) | Chucky entra na era Black Mirror

Brinquedo Assassino é uma das maiores e mais lembradas franquias de filmes de terror gore da história do cinema. A saga de Chucky, um boneco demoníaco com personalidade destrutiva e psicótica, se iniciou em 1988 e, desde então, teve diversas continuações e remakes. É claro que, com o passar dos anos, a duvidosa qualidade dos longas-metragens decaiu exponencialmente – tanto que a sensação de alívio com o término da série em “Culto de Chucky (2017) era inegável.

Porém, essa momentânea alegria foi por água abaixo quando Lars Klevberg voltaria para seu segundo projeto como diretor com um inesperado remake. “Brinquedo Assassino” (2019) prometeria resgatar a nostalgia de seu clássico, ainda que se afastasse do teor sobrenatural já conhecido por uma legião de fãs. Afinal, para aqueles que não se recordam, Chucky era um mero boneco possuído pelo espírito vingativo de um serial killer que, para continuar seu reino de caos, deveria transferir sua infernal alma para um ser vivente – no caso, o jovem Andy Barclay (interpretado, à época, por Alex Vincent). Na releitura, os personagens homônimos retornam, mas em um estilo à la Black Mirror (2011): a tecnologia e o ódio humano são os temas que regem a nova atmosfera, partindo da qual o brinquedo cai nas mãos da família Barclay com um defeito de fábrica que o torna extremamente violento.

A premissa em questão parece idiota, mas funciona melhor do que poderíamos prever. Klevberg inicia essa mais nova jornada com uma breve introdução, na qual um operário responsável pela construção dos bonecos Buddi desabilita todos os procedimentos de segurança e depois se mata, condenando a si mesmo pelo que resolveu fazer. Pouco tempo depois, Karen (Aubrey Plaza) pega o objeto defeituoso para si e o leva para o filho, dando-o de presente para Andy (agora encarnado por Gabriel Bateman). Logo de cara, ele percebe que há algo estranho, mas mesmo assim resolve encará-lo como seu “novo melhor amigo”. Com o decorrer do primeiro ato, Chucky – que se autointitula assim da forma mais absurda possível – revela suas reais intenções e mostra que é mais rancoroso do que aparenta, indo mais longe que qualquer antagonista para impedir que Andy tenha outros amigos além de si mesmo.

O roteiro assinado por Tyler Burton Smith constrói-se com explicações que passam longe da redundância cênica: ao invés de correr com conclusões apressadas e renegar o ritmo que se propõe a seguir durante os breves noventa minutos, ele já mergulha em preconizações interessante, incluindo explicar que os “amigos” da linha Buddi têm a capacidade de controlar basicamente todos os aparelhos eletrônicos. Não é surpresa que, depois de ser reconstruído pelas mãos de um zelador sociopata, ele faça um ótimo e assustador uso de suas habilidades tecnológicas para aumentar consideravelmente o número de vítimas.

É um tanto impalpável imaginar que um boneco com inteligência artificial comece a pensar e a sentir, podendo cultivar uma sensação de vingança aterrorizante – ainda mais levando em conta que seus dispositivos de submissão, por assim dizer, não existem mais. A cada nova experiência adquirida, Chucky se torna mais perigoso e utiliza isso a seu favor – chegando até mesmo a controlar os outros bonecos para causar um extermínio em massa que se rende ao puro gore. Infelizmente, tais sequências tangenciam fórmulas batidas do cinema contemporâneo e alcançam um ápice que emula o primeiro longa-metragem sem desponto de originalidade.

O filme aprazível numa perspectiva geral e ainda nos causa certo desconforto. Porém, Plaza e Bateman criam entre si um enlace desprovido de qualquer química: aliás, o ator-mirim encontra um terreno muito mais fértil na obra que o colocou nos holofotes, “Quando as Luzes se Apagam (2016), perdendo força à medida que lida com uma história cíclica que foge muito pouco dos convencionalismos narrativos. Plaza, por sua vez, arrisca encarnar a mãe cética que tenta ao máximo se conectar com o filho mais novo, mas o deixa de lado até ser tarde demais. A personagem Karen se transforma em uma espécie de super-heroína em uma espécie de catarse final antes do frame conclusivo; todavia, suas investidas canalizam para o último ato e dão uma sensação solta quando em contato com o restante da estrutura.

Aliás, Klevberg parece desistir de sua obra quando Chucky quando desencadeia seu império homicida num grupo considerável de pessoas: as cenas da loja de brinquedos, por exemplo, são as que mais se aproximam da ideia psicótica da produção clássica, com algumas reviravoltas tecnológicas e uma sensação agonizante de impotência; logo depois, Andy se aventura numa última epopeia para resgatar a mãe das garras de seu nêmeses, resolvendo tudo em pouquíssimos minutos e revelando que as coisas poderiam ter terminado muito antes que o esperado. Não é surpresa que, após sair dos cinemas, sentimos certos vazio e apelo pedante o suficiente para caminharmos para uma continuação.

Com exceção dos momentos em que Chucky aumenta a contagem de suas vítimas, a conjuntura  fílmica insurge como um coming-of-age completamente descontruído e que, na verdade, anda para trás. O resultado final, como já dito, é satisfatório o suficiente para não termos jogado dinheiro fora, mas não o bastante para desejar por mais. “Brinquedo Assassino” (2019), dessa forma, mostra que a indústria hollywoodiana já sugou o máximo que pôde de remakes e reboots – e que, mesmo com uma centelha de esperança, está na hora de seguir em frente.

“Brinquedo Assassino” estreia em 22 de agosto de 2019.

Escrito por Equipe Proibido Ler

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