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O Animal Cordial (2017) | Do punitivismo ao caos

A espiral de carnificina e como ela conversa com o punitivismo e a luta de classes

O slasher brasileiro “O Animal Cordial”, estrelado por Murilo Benício, Luciana Paes e Irandhir Santos foi dirigido e roteirizado por Gabriela Amaral Almeida. Foi premiado no Festival do Rio de 2017 e no Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre em 2018. Além disso, foi nomeado em seis categorias no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de 2019.

Aqui eu busco analisar sob óticas mais filosóficas o filme em questão, portanto haverá o uso de spoilers e, se todas as premiações acima ainda não foram suficientes pra que você assista antes de seguir em frente, fica aqui o aviso.

Gosto de pensar em filmes que se passam em um mesmo local como universos particulares.
É o caso de Animal Cordial (2017).

É tarde da noite e estamos em um restaurante de pratos exóticos em uma área afastada em São Paulo. Há um último cliente a esperando sua refeição, todos os funcionários precisam ir embora, mas como sempre, o patrão Inácio (Murilo Benício) gosta de aproveitar a situação e faz com que fiquem até o último minuto, mesmo quando o último trem está prestes a partir.

Inácio e Sara (Luciana Paes), sua garçonete favorita, trocam amenidades enquanto aguardam o fim do expediente. Amadeu (Ernani Moraes), o tal último cliente, é servido. Logo mais Bruno (Jiddu Pinheiro) e Verônica (Camila Morgado), um casal arrogante, chegam e a cozinha é obrigada a ficar mais um tempo, eles são servidos e a cozinha fecha. O chefe de cozinha Djair (Irandhir Santos) fica para tirar satisfações.

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E quando finalmente o expediente está para terminar, rola um assalto. E é aí que o caldo entorna.

Os assaltantes se aproveitam do medo ali e assediam Veronica sexualmente, com o auxilio de uma arma de fogo.

Mais tarde, Nuno (Ariclenes Barroso), um dos assaltantes tenta fazer o mesmo com Sara,  mas é impedido pelo cabeça da dupla, Magno (Humberto Carrão).

É aí que Inácio se aproveita, tira uma arma do balcão e atira.

Estando no controle, ele impede todos de chamar a policia e, é claro, uma ambulância. Então pede para que Sara amarre os assaltantes, mas isso não é suficiente. Paranóico, ele faz com que ela amarre a todos os envolvidos e os coloque na cozinha.

O que acontece a partir daqui, é a espiral de paranóia e matança. Mas acredito que toda essa descrição seja suficiente para trabalhar.

As entrelinhas começam logo no inicio, quando Inácio se entrevista no espelho, contando para a “revista” como ele se tornou tão habilidoso na cozinha – quando na verdade, ele não cozinha, quem cozinha é Djair e ele já pediu as contas.

Teria ele inveja de Djair? Sim, pois sem Djair, Inácio não é nada. É a dialética de “Senhor e Escravo”, de Hegel, onde sendo o dominante nada mais do que dominante e sendo o dominado aquele que faz o que o dominante necessita, sem ele, o dominante não é nada.

Resumindo, se o patrão manda naquele que pode fazer e o próprio patrão não pode fazer o que o servo faz, ele está amarrado ao empregado.

O patrão, podendo apenas mandar, nada faz e sozinho, nada é.

Mas Inácio não apenas inveja Djair, ele o odeia.

Djair é um nordestino negro, gay e afeminado, tudo o que um conservador rejeita, e Inácio tem um arquétipo conservador. E no entanto, Inácio é obrigado a ter Djair a seu lado pois – de novo -, sem o nordestino negro, gay e afeminado, Inácio não é nada.

Sara, por sua vez, tem um arquétipo do servo que se acha igual, que quer ser igual ao senhor.

Resumindo, uma puxa-saco. E como Paulo Freire diria: “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”.

Só que isso nunca acontece, porque é claro, nunca é o suficiente, não importa o quanto Sara siga todos os desejos de Inácio, ela nunca vai estar ao lado dele, pelo contrário. A questão entre senhor e servo é irreconciliável, pois o desejo do senhor é infinito, sendo ele, por ele, nada.

Quando eles se unem na carnificina e no ato carnal, é quando ela finalmente acredita ter conseguido o seu lugar ao sol, mas quando tentar testar isso, será jogada pro lado, como um cachorro e isso é mostrado de forma bem ilustrativa em “O Animal Cordial”. Sara nunca será companheira de Inácio, pois ele nunca aceitará estar abaixo de ninguém e, por consequência, ninguém pode estar ao seu lado.

Mais tarde, vemos que a única saída de Sara é voltar para os seus.

Inácio é o animal cordial, o lobo que devora ao se colocar numa situação cada vez pior e mais estarrecedora. Quanto mais ele agride e quanto mais ele toma controle da carnificina, mais ele fica sem saída, sem poder confiar em ninguém e matando a tudo e todos.

Quando uma teoria é apontada, ele escolhe acreditar na que é mais a cativa, e esta é a de que Djair lhe quer mal – o que é mentira. Mas o que importa, é a mentira que ele quer acreditar. A mais deliciosa.

É verdade que todos nós, sem exceção, temos a sanha do punitivismo. O problema é que essa sanha nos devora e, em uma sociedade doente, um cão que experimenta sangue, não quer saber de outra coisa.

Existe uma solução?

Escrito por Jefferson Venancius

Escritor, redator, roteirista e músico. https://conde.carrd.co

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