A comunidade LGBTQ+ passa por quase toda a vida sem se ver representada nas telas da TV ou do cinema. É muito difícil descobrir e aceitar quem você é de verdade quando você não tem noção do que existe, do que pode ser.
A proporção de filmes com a temática Queer se comparada as outras chega a ser vergonhosa. Na grande mídia rola talvez pouco mais de cinco personagens com alguma relevância por ano. As vezes mais, as vezes menos. É mais difícil ainda encontrar filmes de gênero, sendo cercados apenas por dramas pesados cheios de morte e experiências ruins. Isso generalizando, é claro. Na comunidade sáfica (termo usado para se referir a qualquer mulher que tenha atração sexual ou romântica por outras mulheres) sempre tem a piada dolorosa de conseguirmos pensar em apenas uma comédia romântica de fácil acesso, sendo essa o filme “Imagine Eu e Você” (2005). Dito isso, “Happiest Season” é um sopro de felicidade e de amor em nossos corações.
“Happiest Season” é uma comédia romântica natalina que acompanha Abby (Kristen Stewart) e Harper (Mackenzie Davis), que vivem um belo casal que está morando junto há alguns meses e as coisas são só alegria. Abby é meio “Grinch” quando se trata do Natal e, no meio do calor do momento, juntas Harper acaba a convidando para ir passar o natal com sua família em sua cidade natal. Abby decide então que essa é a oportunidade perfeita para pedir a mão de sua amada em casamento, com todo o clichê de receber a benção da família.
O que ela sabia é que Harper ainda se assumiu para a família por medo deles não a aceitarem e pede que Abby se passe por sua colega de quarto hétero. Tudo armado para confusões de família e mal entendidos, certo? E aqui vem o acerto de “Happiest Season”.
O filme se afoga em todos os clichês possíveis do gênero “em casa para as festividades” e comédia romântica. Para alguns, isso pode soar péssimo e batido. Para a comunidade LGBTQ+, soa mais como um sorriso cúmplice. Todos esses clichês podem estar velhos e por ano saem dezenas de filmes do tipo no mercado norte-americano de filmes natalinos, mas dessa vez têm a cara da comunidade. Claro que ainda se trata de um filme majoritariamente branco, mas já é um passo sendo dado.
Clea DuVall, diretora e co-roteirista do filme, é uma mulher assumidamente lésbica e isso ajuda demais na maneira como o filme anda. Se a câmera é a caneta e o cineasta é o autor, é ótimo que quem esteja escrevendo essa história seja alguém que entende de alguma forma o que está acontecendo ali e o que aquilo representa. “Happiest Season” tem momentos muito sutis em como retratar o relacionamento das protagonistas, com muita doçura nos momentos de calmaria e com o peso da experiência nos momentos de tensão.

Existe uma sutileza na forma em que “Happiest Season” lida com o drama da personagem Harper e o sentimento de não poder ser quem você é de verdade. Nós acompanhamos muito mais a história pelo olhar de Abby, talvez para manter mais a comédia e menos o drama, mas é nas entrelinhas dos olhares de Harper que fica todo o sofrimento que a maior parte das pessoas assumidas ou não passam. É como John, personagem de Daniel Levy que rouba a cena em vários momentos, diz em um momento emocionante da história: cada uma tem uma experiencia diferente, mas o que une todos é o medo antes da hora da verdade.
O medo de Harper de perder sua família e consequentemente o medo de perder Abby se não contar a verdade, é verdadeiro a muitas pessoas que precisam viver nessa situação. Muitos vão poder se enxergar nesta história.
Se em Harper temos o drama, em Abby nós temos os momentos mais cômicos do longa. É um tapa em quem ainda diz que Kristen Stewart não sabe sorrir e é engessada. Ela está divertida e perfeitamente encaixada no papel da descolada Abby. Ela é o charme do filme, o ponto seguro. Como citado antes, Daniel Levy aparece para entregar frases icônicas e ser o melhor amigo gay de Abby. Quase como a consciência dela. Além disso temos Aubrey Plaza em um de seus melhores papeis desde “Parks and Rec”, entregando com intensidade o papel de ex-namorada de Harper que já foi afetada pelo medo da outra.
Estou falando aqui de uma comédia romântica e ainda por cima natalina, então é claro que tudo dá certo no final e o filme nos deixa com o coração quentinho e cheio de esperança. A experiência de assistir esse filme em tempos tão difíceis foi de paz. E foi melhor ainda que a história é uma que eu me senti representada. Eu estou ali. Minhas experiências estão ali. Nós existimos. Nós também merecemos filmes cheios de clichês e bobagens piegas.
“Happiest Season” é tudo o que nós sáficas, e qualquer pessoa que precisa aprender a aceitar quem realmente é, podia pedir nesse natal.
“Happiest Season” está disponível no Hulu, serviço de streaming que ainda não atua no Brasil.
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