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Toy Story 4 (2019) | A hora e a vez de Woody

Em 1995, John Lasseter nos entregava o começo de uma icônica e memorável franquia que seria revivida nas décadas seguintes das formas mais inusitadas possíveis: “Toy Story“. A trama era apenas o breve pontapé inicial da imperiosa e quase perfeita filmografia da Pixar, cuja habilidade artística se mostraria convincente e emocionante em diversos outros longas-metragens, sempre buscando por inovação – tanto na parte estética quanto na narrativa. Quatro anos depois, a série animada que trouxe brinquedos à vida e permitiu ao público se emocionar com objetos inanimados alcançaria seu ápice com “Toy Story 2” (1999), expandindo seu microcosmos para uma universalização chocante em “Toy Story 3” (2010) e enfim, culminando no término de uma saga aventuresca que, como já era de esperar, encontra um patamar honrável.

“Toy Story 4” (2019), entretanto, soa como um filme diferente dos predecessores. Claro, na iteração anterior já sentimos o gosto amadurecido dos personagens e dos terríveis obstáculos que enfrentaram para se auto-afirmarem, mas é aqui que as coisas ganham uma nova dimensão. Josh Cooley não poderia encontrar jeito mais surpreendente de realizar seu début diretorial e, apesar deste ser sua primeira obra como supervisor-chefe, não é estranho ao mundo único dos estúdios – afinal, ele já participou de diversas obras como ator, roteirista e designer. As responsabilidades, todavia, mostram-se bastante diferentes, e Cooley não pensa duas vezes antes de pegar elementos já explorados e transplantá-los para esse desfecho digno.

Woody (Tom Hanks) mais uma vez insurge como o protagonista da história e rouba-nos a atenção por seus trejeitos propositalmente envelhecidos e sábios: após ser abraçado junto à sua turma pela adorável Bonnie (Madeleine McGraw), ele se sente deixado de lado, esquecido nas profundezas de um armário enquanto observa a jovem garotinha se divertir com os outros brinquedos. É nesse meio tempo que a personalidade heroica de Woody, talvez travestida com uma certa robustez egocêntrica, o leva a acompanhá-la em seu primeiro dia de aula na pré-escola e garantir que tudo saia como o esperado – até mesmo quando ela resolve criar um novo amiguinho intitulado “Garfinho” (Tony Hale), construído com olhos plásticos, um garfo descartável e arame vermelho.

O personagem imortalizado por Hanks, ainda que seja um dos brinquedos mais “experientes” do grupo, parece fragilizado o suficiente para deixar certas manias de grandeza voltarem à tona. É visível observar seu desespero em não ser o brinquedo favorito de uma criança – pensamento que o consagrou como um quase antagonista do primeiro filme -, mas diferente de antes, ele aprende a lidar melhor e impede que Garfinho, enxergando a si mesmo como um pedaço de lixo, saia da vida de Bonnie e destrua sua idealização de uma nova e complexa fase. A partir daí, Cooley brinca com as sequências infinitas e cíclicas entre as duas personas, emulando de forma impecável a estética cênica de Lasseter.

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Porém, o roteiro não se limita a copiar a obra de 1995, e sim abre um espaço considerável para que Woody mergulhe em um arco de ascensão e decadência que se repete inúmeras vezes. Garfinho eventualmente escapa de seu “confinamento” e, após ser resgatado pelo xerife, a dupla se vê perdida em um gigantesco parque de diversões à la Coney Island (sem as praias, é claro). Tentando retornar para os braços de Bonnie, os dois cruzam caminho com uma personagem que há bastante tempo não dava as caras: Betty (Annie Potts), a cândida pastora que, como nos é revelado, foi dada sem nenhuma explicação a outra criança. Agora, Betty transformou-se em uma super-heroína, uma vigilante do parque dotada de habilidades incríveis para salvar aqueles por quem realmente se importa.

O filme introduz uma quantidade absurda de novos personagens, talvez no mesmo nível da história predecessora. Mas aqui, cada um tem o seu momento de protagonismo. Além do retorno de Betty e das costumeiras aparições de Jessie (Joan Cusack) e Buzz (Tim Allen), temos também a presença da vilã Gabby Gabby (Christina Hendricks), uma boneca de porcelana cujo sonho é ser amada por uma criança, mas parece condenada a passar a vida nas prateleiras empoeiradas de uma loja de antiguidades; Ducky e Bunny, interpretados por Keegan Michael-Key e Jordan Peele, respectivamente – dois amigos literalmente unidos para sempre que discriminam alguns dos diálogos mais divertidos da obra; e Duke Caboom (Keanu Reeves em mais uma charmosa rendição), um clássico brinquedo que foi abandonado por seu antigo dono após ser considerado “fajuto”, desde então buscando por um momento de provação.

Se a premissa “a hora e a vez de Woody” não é exclusiva, é porque estende-se para cada um dos coadjuvantes. Afinal, todos ali têm algo a provar – e até mesmo Gabby Gabby age de um jeito problemático por motivos compreensíveis. Ela, inclusive, é dona de uma reviravolta inesperada, que marca uma mudança necessária da geração de Andy, restrita à adoração aos brinquedos e aos jogos de tabuleiro, e da geração de agora, que é bombardeada todos os dias pelos aparatos tecnológicos. Mesmo com essa nova carga emocional, o longa se mantém respaldado em uma atmosfera nostálgica, reafirmada pelo cenário funcionalmente anacrônico da loja de antiguidades. Aliás, Cooley mergulha de cabeça em uma mistura interessante de diversos gêneros – cuja construção já é conhecida dentro do universo Pixar.

De qualquer forma, o resultado final não está livre de alguns equívocos. Buzz parece retroceder no tempo e finca-se à ideia de que não é um brinquedo, e sim um patrulheiro das galáxias (algo bastante datado, considerando que a saga já tem mais de vinte anos); o terceiro ato vai e volta num número excessivo de vezes, quebrando o ritmo dinâmico e bem delimitado das investidas anteriores. Contudo, a resolução principal, digna de lágrimas tanto do novo quanto do velho público, é perfeita e, ainda que dê margem para outras aventuras, funciona como desfecho aplaudível e satisfatório.

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“Toy Story 4” talvez marque o fim de uma era e o início de outra, ou então apenas encerre uma das franquias mais poderosas e memoráveis do cinema contemporâneo. Apesar de não ser a melhor entrada, o filme reside em boas mãos e cumpre o que promete: uma história envolvente, marcante e que não se resume a apenas um público-alvo, e sim a qualquer um que ouse adentrar esse mágico universo.

Escrito por Equipe Proibido Ler

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