Jefferson Venancius Fechando o mitológico Homem Animal de Grant Morrison, um dos (se não o) Deus Ex Machina mais caras de pau e surrealistas da história.
Quando Morrison começou com o Homem Animal (alter ego de Buddy Baker), trouxe a repaginação do herói como uma grande sátira aos quadrinhos heroicos e seus clichês, e essa sátira foi ao longo do tempo tomando proporções cada vez maiores, até ao ponto onde se esmigalha a quarta parede, até nada mais sobrar.
Ao brincar com conceitos como o criador, Morrison quase sempre coloca em xeque a vida real, fazendo um comparativo: Até onde temos controle sobre nossa própria vida? Não é tudo afinal o resultado de uma reação em cadeia e consciências programadas a agir em determinada maneira?
O próprio Evangelho Do Coiote, presente no primeiro encadernado, traz o conceito filosófico de criador e criatura, onde a criatura esta fadada a cumprir sua rotina cruel de morrer todos os dias num ciclo sem fim, como o Ilmo. @Cidentidade citou há algum tempo, os desenhos animados são a representação mais clara do mito de Sisifo, que é afinal uma representação da rotina humana, o ciclo limitador que criamos para sobreviver.
“Não acredito que Deus jogue dados com o universo.” – Albert Einstein
Ele não. Eu sim.
A criatura é imagem e semelhança do criador – e portanto o inverso também é verdadeiro – e dessa forma Morrison inseria ideologias próprias, principalmente com relação a proteção dos animais e de todo o meio-ambiente, e durante esse processo o próprio autor foi abraçando cada vez mais suas causas até chegar ao ponto de temer o exagero – o que não aconteceu.
Agora Morrison conecta todas as coisas, e também se conecta a obra, ao ponto máximo. É o limite do “porque eu quis”.
As edições contidas no terceiro encadernado da Panini, Homem Animal – Deus Ex Machina, são, respectivamente:
Brincando Nos Campos Do Senhor: Tudo começa a ser revelado na continuação de “Consequências”, onde Buddy Baker inicia uma “viagem de ácido” na companhia do físico Highwater, este presente desde o inicio do segundo encadernado. Mas atenção, é apenas o inicio, e o que está por vir é uma espiral de insanidade. A quarta parede é arranhada.
Uma Nova Ciência Da Vida: Semióticas por todo lugar, águias se transformam em sangue, baleias engolem homens, uma escrivaninha e um livro de David Bohm revela o conceito físico pelo qual Morrison se baseia. O passado saudosista se encontra com o presente. Águias se transformam em sangue, e o sangue marca. Há um buraco na quarta parede, e há quem se atreva em olhar.
O Último Inimigo: As duas estórias anteriores se conectam, pressentimentos se tornam realidade, Buddy Baker passa pelo pior momento de sua vida e definha em desespero. A quarta parede está manchada em sangue, e alguém precisa pagar.
Garra E Dente: A dor transforma e corrompe o herói, que se junta a um antigo inimigo com o intuito de se vingar. O vazio não será preenchido e a dor não se anestesiará. Só o tempo cura…
Tempo Engarrafado: Mas o tempo é cruel, o mistério de “Assombrações” recebe todo um novo sentido ao leitor sem perder o antigo – Uma jogada genial. A quarta parede é ameaçada pela nostalgia.
Crise: O Pirata Psíquico é um vilão saudosista, que por se lembrar do multiverso, consegue trazer tudo a tona, afinal de contas a morte é esquecer. Personagens de outrora revivem enquanto Buddy dialoga com seres imortais sobre o conceito de vida e morte em tempos de paz e amor. A quarta parede se quebra em mil pedaços.
Dia Da Purificação: O Homem Animal volta ao presente para salvar a ficção. Quando os personagens tomam consciência de si, a quarta parede se torna migalhas e tudo se torna possível. Tudo mesmo.
Macacos À Obra: A quarta parede se tornou uma porta, que Buddy atravessa em busca de respostas. No frio do Limbo onde os personagens esquecidos estão fadados a dolorosa monotonia, um Macaco doente é a resposta, a representação do criador. Buddy precisa salva-lo.
Deus Ex-Machina: A quarta parede não existe, portanto o próprio Grant Morrison se torna um personagem, fechando com chave de ouro os seus tempos com o Homem Animal.
Morrison dialoga com Buddy enquanto mantém todo o seu poder absoluto como roteirista. Filosofando como um deus, ele fala ao público e se traz a estória da forma mais pessoal possível.
Finalizando, as edições deste encadernado trazem tudo que há de melhor. não apenas com o roteiro, mas também com a arte extremamente dinâmica, páginas psicodélicas de encher os olhos que casam perfeitamente com a narrativa romântica de Morrison. I can see you!
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