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HQ do Dia | Homem-Animal – O Evangelho Do Coiote

Em 1987, no auge dos louvores críticos aos trabalhos de Alan Moore em “Monstro Do Pântano” e “Watchmen”, a DC Comics decidiu partir em uma missão de recrutamento pelo Reino Unido, este recrutamento foi um divisor de águas capaz de colocar os quadrinhos e a narrativa gráfica em todo um novo patamar. Foi uma época de evolução, um marco que traz até hoje seus frutos. Foi uma tentativa de resgatar personagens esquecidos e que se provaram muito valiosos, quando nas mãos certas.

Um dos recrutados para o trabalho foi o escocês ainda jovem Grant Morrison, e sabe-se lá porque entre todos os heróis disponíveis a serem resgatados ele decidiu trabalhar com o Homem-Animal. Provavelmente um caso de amor à primeira vista, uma conexão que conseguiu, por dois anos, trazer não apenas boas estórias, mas também brincar com metalinguagem de maneira única, trazendo além de coisas totalmente fora da caixa, uma ideologia para com a proteção aos animais, capaz de fazer você e eu sentir na pele a dor de ser uma criatura não humana e ser manipulada das mais variadas formas por esse motivo.

Homem-Animal O Evangelho Do Coiote 1-min

Abrem-se as cortinas e no espetáculo há nada mais, nada menos que um herói aposentado, esquecido, sem perspectiva nenhuma de vida e basicamente sustentado pela mulher. Buddy Baker sente a necessidade de fazer algo que importa. Algo que o faça se sentir completo.

Sua profissão de dublê é estória, pois há muito tempo não consegue trabalho e ele já está com quase trinta anos. Desperdiçados.

A crise existencial de quem percebe que a vida não ia começar, mas já começou há muito tempo e ele não fez nada com ela.

“Me sinto um ator que pôs os pés no palco errado”.

Homem-Animal é além de tudo uma sátira aos heróis e todo o universo que no fundo sabemos ser sem sentido. Ele é o herói realista, que não usa o uniforme por baixo da roupa o tempo todo por ser nojento e tem vergonha de andar por aí com o corpo a mostra no collant. É uma piada, por ser imaginado como real.

Este primeiro encadernado da Panini é perfeito para conhecer o herói e se apaixonar por ele, as estórias se fecham num ponto onde nos descobrimos viciados. O encadernado possui ao todo nove capítulos e se inicia com o primeiro arco em quatro capítulos, são estes Zoológico Humano; Vida Na Selva De Pedra; A Natureza Da Besta Fera e Quando Todos Vivíamos Na Floresta.

Neste arco Buddy decide voltar à ativa, quando é tragado em uma missão ajudando um laboratório que faz testes em animais, onde tudo o que acredita é colocado em Xeque e ele descobre sua verdadeira vocação. Misturando o trágico e o cômico, palavras que se complementam a quadros como poesia e a dor da empatia.

Somos também apresentados a sua família, vizinhos e amigos. A família de Baker consiste em sua bela mulher Ellen, desenhista de Storyboards que o auxilia em sua carreira e sempre se mostra como uma pessoa forte, sua filhinha Maxine e Cliff, o filho mais velho, que faz o estilo roqueiro rebelde. Buddy nunca fez muita questão de esconder sua identidade e por isso sua família é sempre envolvida em seus dramas, seu heroísmo é tratado desde o inicio como um emprego e por isso tudo tem um toque de cotidiano.

Após o arco, o encadernado nos presenteia com cinco estórias “fechadas”, são estas:

O Evangelho Segundo O Coiote: Uma sátira aos desenhos animados, principalmente sobre Looney Tunes, uma “viagem de ácido” onde um fanático religioso tenta matar de todas as maneiras um coiote imortal que, por mais mutilado que fique, acaba se regenerando. Tudo é uma brincadeira imagética que se refere ao criador, o artista, como deus. Tudo – ou melhor, quase tudo, propositalmente – é mostrado de maneira bem realista, com vísceras a mostra e tudo o mais.

Temos aqui a dor da pobre criatura muda, perseguida pela eternidade, fadada a sofrer para sempre. Se regenerando passo a passo só para sofrer de novo. Palavras com gosto de dor.

Homem-Animal O Evangelho Do Coiote 4-minO Evangelho Segundo O Coiote é uma estória espetacular que se torna hilaria pela “cara de pau” do roteirista e liberdade artística. Foi a estória responsável por consagra-lo para sempre, lhe dando todo o alvará para ousar o máximo possível.

”O mais hilário é que, enquanto a escrevia, eu estava absolutamente convencido de que aquilo era uma porcaria sem tamanho, impenetrável, e que seria o último prego no caixão da minha carreira em ascensão nos gibis de super-herói dos Estados-Unidos. O sucesso e a popularidade da história me pegaram de surpresa e serviram de incentivo para eu produzir toda a porcaria impenetrável que tem sido minha especialidade desde então”. – Grant Morrison

Aves De Rapina: Este capitulo fez parte de um evento que estava rolando na DC na época, chamado “Invasores”. Por esse motivo algumas coisas podem ficar meio desconexas depois dela, não o bastante para atrapalhar, pois tudo é referenciado como um “dar a entender” mais tarde. Além disso a estória em si é bem fechada e se mantém sozinha.

Basicamente alienígenas guerreiros vindos do mesmo planeta do Gavião Negro decidem invadir a terra. Dentre eles, um artista, portanto uma vergonha para a raça guerreira, que como último ato tenta unir a arte e a destruição. Sua arte se baseia em informação do seu consciente, uma bomba que ecoaria sua vida, todo o seu passado, até achar o momento mais marcante e detonar.

A Morte Do Máscara Vermelha: Após tudo resolvido, Buddy, rumo ao lar, passa por uma cidade. Nesta cidade nos encontramos com o Máscara Vermelha, um projeto falho de vilão. Um azarado que tinha como sonho voar, mas o destino lhe trouxe um poder frustrante que destruiria sua vida. Restando-lhe a vilania.

Agora, velho e com o “pé na cova”, ele nos conta sua estória a beira de um precipício, enquanto realiza falhamente seu último feito vilanesco.

Espelho, Espelho Meu: Trazendo uma versão divertidíssima do Mestre Dos Espelhos, Buddy está com alguns problemas com os seus poderes. Brincando com o outro lado do reflexo das mais variadas formas – recomendo usar um espelho para ler alguns diálogos, é ótimo – o vilão invade sua casa e o faz de “gato e sapato”, sobrando até mesmo para Ellen. Uma estória divertida que dá ponte para algo mais a frente.

Tudo Para Sua Casa: Buddy finalmente conseguiu um emprego na Liga Da Justiça Europa. O Caçador De Marte aparece para parabeniza-lo e reparar sua casa da destruição ocorrida no capitulo anterior. Enquanto isso Cliff sofre bully dos colegas de escola por ter como pai o Homem-Animal. Este capitulo fecha o encadernado de forma cotidianamente divertida, como sempre brincando com o sem pé nem cabeça heroico dos gibis e mostrando-nos ainda que muito mais estaria por vir.Homem-Animal O Evangelho Do Coiote 2

O Homem-Animal de Morrison é divertido, um herói que não sabe o que está fazendo mas que nem por isso deixa de tentar pois procura, além de qualquer coisa, um sentido na vida – assim como acontece conosco – É um herói “povão”, que ironiza o heroico e que intercala uma profundidade poética e filosófica quanto a vida, tanto humana quanto não-humana. A dor é igual para todos. E Morrison nos mostra o que quer de forma inteligente, profunda e ainda assim, por incrível que pareça, conseguindo dar uma leveza. Um alivio.

É fato que o traço de Chas Truog e as cores de Tatjana Wood foram muito responsáveis pelo ambiente necessário, os quadros são distribuídos a maneira Europeia, como um filme em fotos, se preocupando principalmente com as expressões dos personagens, tanto o traço quanto as cores variam de acordo com o roteiro, há sempre um “quê” mais colorido mas em momentos chave as cores ficam mais frias, escuras.

Homem Animal é uma leitura tão prazerosa que chega a ser obrigatória para todos, pois não consumi-la é perder. Adquira essa e outras HQs na nossa parceira LIGA HQ! frete grátis para qualquer valor de compra.

Veja também: HQ do Dia | Superman: The Coming of the Supermen #1

Escrito por Jefferson Venancius

Escritor, redator, roteirista e músico. https://conde.carrd.co

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