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A Freira (2018) | As Ruínas do Safezone

Se há uma coisa perigosa no mundo do entretenimento é a presunção. Seja em qualquer esfera – e principalmente na cinematográfica -, prometer mais do que se pode entregar é um jogo perigoso e tem grandes chances de representar a ruína de uma obra e até mesmo de um cineasta. Diversas franquias já passaram por esse mal, incluindo Star Wars e O Hobbit, cuja pretensão foi tamanha que conseguiu entreter pouquíssimas pessoas com filmes desnecessariamente longos, uma história monótona e uma ampliação macrocósmica criada por J.R.R. Tolkien que, bom, ninguém havia pedido. Agora, parece que o pecado da vaidade caiu sobre outro incrível universo: o de Invocação do Mal (2013).

A atmosfera acerca dos casos de Ed e Lorraine Warren trazida às telonas pela primeira vez em 2011, por James Wan, é impecável em sua maior parte. Tanto o filme original quanto sua sequência alcançaram o patamar merecido de dois das melhores obras de terror do século XXI, e não é por menos: desde a fabulosa estética intimista até a arquitetura da narrativa, cada ponto é pensado em seus mínimos detalhes. Até mesmo nos adjacentes Annabelle (2014) e Annabelle 2: A Criação do Mal (2017), que não alcançaram o mesmo fervor ou sucesso, o ritmo manteve-se parecido e envolveu espectadores de forma aplaudível. Logo, não é nenhuma surpresa que o anúncio de A Freira viesse para abalar todas as estruturas dos fãs do gênero e seguidores de Wan – que, apesar de não ser o diretor, entra como produtor executivo. Criar um spin-off cuja protagonista fosse o demoníaco Valak tinha tudo para dar certo, mas as coisas não saíram muito bem como o planejado.

Corin Hardy junta-se ao time na cadeira de diretor para dar vida à primeira história do cosmos e, de acordo com o pouco marketing do filme, ao “capítulo mais aterrorizante” de toda a franquia. É visível suas homenagens e emulações a Wan, seja pelo contraste de luz e sombra, pelo uso dramático-expressionista de recursos visuais como a névoa e uma fotografia escura que reafirmasse toda a ambiência medievalista do único cenário – uma abadia centenária, lar de uma entrada para o submundo. A primeira sequência tenta pifiamente nos comover com um mal inimaginável, mas na verdade se mostra mal construída: o único aspecto realmente bom reside na direção de arte e na constante presença do conflito divino x profano – inclusive no uso de inúmeras cruzes num longo corredor escuro. O restante pode causar qualquer sensação, menos medo ou angústia.

Sabemos que a prequela travestida de spin-off é o primeiro da cronologia dos filmes e nos leva para o início da década de 1950, durante a qual o Padre Burke (Demián Bichir), funcionário especial do Vaticano, é escolhido para viajar à Noruega e investigar o suicídio de uma das freiras. Para isso, ele também é orientado a buscar ajuda da noviça Irene (Taissa Farmiga), cuja vivência deve ser de auxílio essencial para sua missão. A dupla também é auxiliada pelo conhecimento territorial do entregador Franchie (Jonas Bloquet), que os guia através de uma densa mata até a abadia, uma construção gótica amedrontadora e propositalmente opressora. Franchie talvez tenha o melhor simbolismo do longa, representando o povo local e como a crença pode moldar uma cultura.

E basicamente é isso. Toda a premissa nos é apresentada no primeiro ato e permanece por lá. Em suma, o longa promete muito, mas muito mais do que consegue cumprir – e no final das contas não tem noção do que quer ser. Temos uma porcentagem de terror aqui, inclinações para o mistério e o suspense ali, e um coming-of-age tão cru que chega a ser difícil notá-lo em meio a tantas coisas acontecendo. As sequências construídas não fazem sentido e, se a ideia de Hardy era brincar com a ideia de tempo e desconstruí-la, fez isso de um jeito incoerente. Até mesmo as revelações no princípio do último ato são colocadas em pontos nada estratégicos e que tiram toda a majestosidade das obras anteriores, cujas técnicas narrativas e imagéticas harmonizavam entre si.

Os jump-scares parecem saídos de um filme slasher qualquer de baixo orçamento e são ótimos para ajudar a quebrar o ritmo. Exceto por alguns poucos momentos, incluindo a aguardada cena do corredor e o primeiro encontro de Valak com os dois protagonistas, toda a arquitetura de horror e suspense cede à zona de conforto – o que é muito triste, pois o potencial existe e está bem na frente de todo mundo; Hardy apenas opta por não ousar muito e entregar um produto medíocre que definitivamente não merecia espaço dentro do universo de Invocação do Mal. Nem mesmo o elenco tem química: Farmiga e Bichir não trazem fluidez performática às telonas e, salvo alguns momentos em que o jogo de ação-reação volta a funcionar, comportam-se como maquinários robóticos inexpressivos.

Ademais, as emulações fotográficas de Maxime Alexandre funcionam, ainda mais quando colocadas lado a lado à trilha sonora gutural de Abel Korzeniowski. Há um momento em específico em que a câmera opta por um plongée absoluto, centralizando Irene vestida de branco em meio a diversas outras freiras em hábitos pretos, que consegue recapturar a essência das iterações anteriores e trazer um apelo estético inteligente e interessante ao filme – mas isso logo desaparece para voltar ao patético safezone.

A Freira não era o spin-off que desejávamos. Trazer um personagem tão icônico quando Valak a uma narrativa dessas é não fazer jus a tudo que ele poderia representar – e, mais triste do que devo soar, parece ser um ótimo momento para trazermos Ed e Lorraine Warren de volta às telas do cinema.

Escrito por Bruno Fonseca

Fundador e editor-chefe do PL. Jornalista apaixonado por quadrinhos, filmes, games e séries.

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