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Invocação do Mal (2013) | Uma das melhores obras de terror do século XXI

O terror talvez seja um dos gêneros mais plásticos e maltratados do cinema. Surgido ainda em seus primórdios com as investidas expressionistas de Fritz Lang e conterrâneos, tal vertente narrativa já encontrou seus anos de glória, já mergulhou no suis-generis do slasher e do trash com franquias que são revividas até hoje e, infelizmente, mergulha em uma queda abismal desde a chegada da década de 1990 e a falta de histórias originais para serem levadas às telonas. Em outras palavras, é muito difícil, ainda mais hoje, encontrar alguma obra audiovisual desse tipo que não se respalde em convencionalismos e clichês baratos, ou ouse entregar muito mais do que promete – ora, podemos até citar, no final dos anos 2010, alguns longas tão podres que chegam a doer, como Verdade ou Desafio e Amityville – O Despertar.

Porém, James Wan nos provou o contrário com a primeira investida em seu universo de terror, Invocação do Mal. A princípio – nos baseando em uma leitura superficial -, não podemos pensar em nada de novo. Uma trama como todas as outras, baseado na vida dos demonologistas Ed e Lorraine Warren, e suas incansáveis tentativas de livrar o mundo como conhecemos de demônios perigosos e mortais. É claro, isso já foi feito antes e muitas vezes, seja no âmbito ficcional ou no documental – então como Wan pretendia fazer justamente o contrário e afastar-se do normal? É um pouco complicado, mas levando em conta que o diretor havia se entregado ao terror psicológico Sobrenatural alguns anos antes com um elenco formidável, dar um voto de confiança parecia ser bem justo.

E o resultado é, sem sombra de dúvida, aplaudível! Desde a concepção fílmica até a química entre seus atores, o longa entra facilmente para a lista de melhores obras de terror do século XXI e até abre margens para explorações interessantes – não à toa que, no ano seguinte, Annabelle ganharia as telonas. Mas foquemos aqui; o escopo principal divide-se nos inúmeros casos paranormais investigados e solucionados por Ed (Patrick Wilson, que trabalhou com Wan antes) e Lorraine (Vera Farmiga em um de seus melhores trabalhos) e na família Perron, assolada por forças demoníacas que residem no casarão que acabaram de comprar. Wan já começa a delinear um novo jeito de dramatizar tais contos ao impedir que os núcleos se cruzem até meados do segundo ato, nos quais a desesperada matriarca Carolyn (Lili Taylor) decide assistir a palestras acerca do sobrenatural e pede a eles que deem uma olhada nas estranhas ocorrências.

Ao lado dos irmãos Chad e Carey Hayes, o diretor mostra-se confortável para construir a tensa atmosfera do modo que quiser, sem se apressar ou se valer do excessivo “ocasional”. As coisas acontecem como devem, a princípio apenas em manifestações físicas, depois evoluindo para uma violência externa até chegar no tão aguardado momento da possessão, no qual os laços entre as duas família já foram criados e um percebe a necessidade de proteção do outro. É claro, talvez o roteiro peque ao deixar o casal Warren fora de cena por muito tempo – mas isso é só um desejo secreto de se deliciar com o fogo que Farmiga e Wilson trazem para as telonas.

O medo é a força-motriz da narrativa em si; entretanto, as coisas são orquestradas de um modo diferente ao que estávamos acostumados. Para que a sensação de perigo iminente se concretize e envolva os espectadores em uma completude inquebrantável, Wan se vale de pequenas pérolas do cinema contemporâneo afastando-se dos jump scares usuais e não se preocupando na exposição cênica. Muito pelo contrário: em vez disso, a sutileza fala mais alto, contribuindo para o suspense até caminhar em um crescendo agonizante, alcançando o ápice catártico. Há certas sequências, envolvendo o “jogo das palmas”, que brincam com a repetição proposital, mostrando os perigos que rondam a família – tanto que, na primeira vez, os Perron encontram o porão escondido; na segunda, Carolyn tem as primeiras sensações de que algo está errado; e, na terceira, ela tem um encontro real com um dos demônios que habita o casarão.

O modo como a câmera desliza brinca com a ideia de aberto e fechado; a fluidez e o plano-sequência, marca registrada de Wan que se repetiria em Invocação do Mal 2 com a mesma excelência, transformam os cômodos mais claustrofóbicos em um espaço imenso e opressor, combinado com a fraca difusão ou a opção puntiforme de uma pálida luz. Até mesmo a névoa, que sempre insurge como elemento simbólico para a aproximação do sobrenatural, tem um papel relevante e em nenhum momento fala mais alto ou nos prepara para o que pode acontecer – e isso é o que transforma o filme em um produto muito além do mero satisfatório: a surpresa não forçada.

Invocação do Mal pode ter suas falhas evidentes, incluindo uma perda de ritmo óbvia no primeiro ato; entretanto, nada tira seu sucesso em revitalizar um gênero esquecido e marcado pela fórmula do clichê. E, inclusive pela incrível rendição do casal principal, este é um filme que dificilmente será esquecido.

Escrito por Bruno Fonseca

Fundador e editor-chefe do PL. Jornalista apaixonado por quadrinhos, filmes, games e séries.

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