in

HQ do Dia | Garota-Ranho

Se você gostou de Scott Pilgrim e Repeteco, ambos de Bryan Lee O’Malley, com certeza vai apreciar o seu mais novo trabalho publicado no Brasil pelo selo Quadrinhos na Cia da Companhia das Letras, Garota-Ranho. Originalmente o título se chama Snotgirl e foi publicado lá fora pela Image Comics, aqui o primeiro volume contém as cinco primeiras edições reunidas em um encadernado de capa cartão.

Garota-Ranho conta a história de Lottie Person, uma garota de 25 anos que é blogueira de moda há mais de oito, e que vive uma vida perfeita, tem amigos perfeitos, trabalha com o gosta e vive muito bem disso. Ao seu redor estão pessoas que a seguem, que consomem tudo que ela indica, compra, mostra e até mesmo as roupas que levam seu nome, Lottie. Ou seja, uma “profissão” atualmente em voga chamada de “influenciador digital”. Enquanto ela vive nesse mundo da perfeição, Lottie esconde alguns problemas. Um deles é uma alergia que a faz soltar catarro pelo nariz e olhos ou como muitos conhecem, o famigerado ranho! Ela já fez inúmeros tratamentos sempre com a mesma médica e já tomou várias medicações e nunca resolveu muita coisa.

A alergia a deixa com repulsa e causa outros sentimentos que refletem no seu estilo de vida e a forma de tratar as pessoas. Em uma dessas visitas ao consultório médico para tratamento da alergia, ela descobre que a sua médica de confiança não está mais trabalhando ali, e quem assumiu foi um doutor muito mais jovem e que a conhece bastante por causa das redes sociais. Ele a oferece um novo tratamento, com uma medicação totalmente diferente de tudo que ela já tomou e com uma fórmula mais moderna, porém está em fase de teste e pode causar alguns efeitos colaterais ainda não catalogados. A Garota-Ranho aceita tomar a nova medicação e, por causa dela, coisas misteriosas vão começar a acontecer em sua vida. Depressão, alucinações, assassinatos, investigação policial, uma vida plástica e perfeita, o vazio, os problemas de ser jovem e empreendedora, e tantas outras coisas vão servir de pano de fundo para a sua narrativa.

O’Malley é um cara bem pirado das ideias, e quem leu Scott Pilgrim ou Repeteco sabe bem disso. Aqui não é diferente, ele coloca toda a sua parte insana pra fora, mas dessa vez com um pouco mais de tato. Há uma história com uma nova personagem feminina, onde ele demonstra de um jeito diferente e com uma linguagem voltada para os millennials, como a vida de uma pessoa que é perfeita aos olhos dos outros pode ser um verdadeiro caos. E o caos em Garota-Ranho não é retratado de forma barulhenta, poluída e desgraçada, o autor o faz de forma natural e crua. A futilidade também tem a sua parcela de caos, assim como o vazio, a vida plástica e todas as outras traduções de efemeridade. Ele pegou tudo isso, juntou com um estilo de vida dos jovens do momento, tacou na mão da Leslie Hung e ela, por sua vez, ilustrou tudo muito bem.

Sem balões de pensamentos ou recordatórios, deixando em destaque todos os “look do dia” – ou como na linguagem da HQ o “LDD” – em cada quadro que a protagonista aparece, a ilustradora conseguiu dar voz a personagem do jeito mais balanceado possível. Pode passar despercebido, mas se a história é sobre uma blogueira de moda, nada mais justo a mesma ter uma evidência maior no design de suas roupas, por exemplo, de estar com um cabelo radiante e de ter muito mais expressões que os demais personagens. Hung mandou muito bem nas disposições das cenas e no enfoque dado à garota. Isso gerou uma fluidez melhor para o desenrolar da trama. E quando elas casam com as cores de Mickey Quinn, que são vibrantes e cheias de energia, a história ganha um pouco mais de vida dentro da sua proposta.

Garota-Ranho é um quadrinho bem bacana, que conta uma história moderna, que traz mistérios, reviravoltas e que até mesmo te deixa no tédio algumas vezes por conta da vida da protagonista. E isso não é ruim, é exatamente uma das coisas que O’Malley quer transmitir em sua narrativa. Afinal de contas, a vida aos vinte e poucos anos pode parecer um verdadeiro espetáculo tanto pra quem tá de fora e tem a mesma idade, quanto pra quem vive tudo isso na pele. Mas aqui de longe, é perceptível o quanto os valores e os problemas dessa geração estão cada vez mais voltados a aceitação, a autoestima e necessidade de ser genial cada vez mais cedo.

Escrito por Bruno Fonseca

Fundador e editor-chefe do PL. Jornalista apaixonado por quadrinhos, filmes, games e séries.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Loading…

HQ do Dia | Titãs: O Contrato de Lázaro

A Parte que Falta | Uma lição de vida para todas as idades