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Aquarius (2016) | A maior contribuição do longa de Kleber Mendonça Filho é para o cinema

Kleber Mendonça Filho dedicou 13 anos da sua vida analisando obras cinematográficas dos mais variados estilos, diretores e gêneros. Enquanto ele escrevia algumas de suas criticas, também se enveredava na produções de curtas metragens até se sentir seguro e competente para lançar um longa metragem. Isso aconteceu em 2012 com o tão aclamado “O Som ao Redor (2012)”.

Filme que muita gente gosta de verdade e entende a crítica social e também as relações humanas vividas a fundo. Outros porém, simplesmente o classificam como um filme tedioso.

Aquarius foi um filme que ganhou uma dimensão enorme desde a sua exibição em Cannes este ano. Tudo isso por causa de um protesto por parte da equipe e do elenco contra o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Cartazes com frases em inglês e francês dizia o seguinte: “O mundo não pode aceitar este governo ilegítimo“, “Um golpe está acontecendo no Brasil“, “54.501.118 de votos foram queimados“, “Misóginos, racistas e impostores como ministros“, e “Dilma, vamos resistir com você“.

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Isso despertou a ira de muitas pessoas que eram a favor do impeachment da atual ex-presidente do Brasil e também de todos aqueles que classificam o filme como uma obra de esquerda ou em outros casos mais absurdos, dizem que se trata de uma obra de comunistas.

Muitos desses comentários ou afirmações, são de pessoas que não chegaram a assistir o filme. O próprio Reinaldo de Azedo, da revistaVeja, que não assistiu ao filme que ele chama carinhosamente de “estrovenga”, disse que  o dever das pessoas de bem é boicotar Aquarius. Inclusive isso que ele disse virou citação usada para promover o longa.

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Antes de começar a falar do filme, peço que esqueça o que houve em Cannes – isso não tem nada a ver com o que é apresentado em tela.

“Hoje trago em meu corpo as marcas do meu tempo, meu desespero, a vida num momento. A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo…”

Com o fragmento de “Hoje” do musico e compositor Taiguara, simbolo da resistência ao regime militar, com 68 de suas canções censuradas pela ditadura, que teve que se auto-exilar na Inglaterra para não morrer naquela época – começo a falar do filme, pois foi ela também que deu inicio a trajetória de vida da Clara (Sonia Braga).

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Aquarius conta a história de Clara que mora em um apartamento muito bem localizado, ele fica bem na praia de Boa Viagem e na avenida que recebe o mesmo nome. Ela criou seus filhos e viveu boa parte da sua vida nele. De forma sossegada em um cantinho só dela e cheio de LPs, a jornalista, escritora e e crítica de música, aposentada, passa a viver um verdadeiro inferno quando a construtora Bonfim compra todos os apartamentos do Edifício Aquarius restando apenas o de Clara. A construtora tenta a todo custo comprar o seu imóvel para finalmente poder demolir o prédio e construir outro no lugar. Mais um daqueles prédios com nomes em inglês e que sempre terminam com a palavra “Plaza” no final. Uma verdadeira guerra será travada entre Clara e Diego (Humberto Carrão) – que está a frente do projeto na construtora – pois ela não vai arredar o pé de lá enquanto ele vai fazer de tudo para tirá-la de lá. Isso inclui atitudes sujas como dar festas no apartamento de cima de onde a Clara mora, promover orgias, cultos religiosos e até se aproximar dos filhos dela para vencê-la pelo cansaço e dizer no final, que o melhor negócio é aceitar a sua proposta.

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É nessa pegada que o longa de Kleber vai tocando. Sempre costurado com belas músicas que reforçam cada cena onde é executada – o filme é divido em três partes que mostram sem pressa alguma como é a forma certa de explorar as relações e os conflitos humanos. Se você achou, por exemplo, o ritmo de “O Som ao Redor” diferente, esse é ainda maior. É necessário estar ligado e comprometido com o filme para sacar as nuances e sutilezas e o olhar de Kleber, a sua crítica social e como muitas atitudes ruins podem ser veladas e tratadas na normalidade. Isso fica claro quando o ex-morador do Aquarius, um cara que Clara o viu crescer e que brincava com os filhos delas, intima ela para tomar uma decisão de sair logo do apartamento, pois outras famílias estão sofrendo por causa dela. Nos embates passivos e ao mesmo tempo fervorosos que Clara vive com Diego, é uma das críticas mais importantes quando ele atinge aquelas pessoas que fazem o passivo-agressivo. Em outros momentos, Kleber critica o nepotismo, mostra os problemas das relações entre pais e filhos, o despreparo da mídia em contar histórias e relatar fatos. A verticalização, a especulação imobiliária e tantas outras coisas. Mas ao meu ver, nada chegou perto da questão velho x novo.

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Isso fica evidente quando em uma discussão entre Clara e sua filha Ana Paula (Maeve Jinkings), Clara fala da relação de como muitas pessoas de hoje lidam com as coisas velhas. Quando essa pessoa gosta de algo considerado velho ou datado por ela, é vintage. Quando ela simplesmente não gosta, é velho. Tudo piora, quando querem saber se ela consome mídia digital e por qual motivo ela ainda fica em um prédio considerado fantasma sem a devida segurança ou a assistência de outras pessoas. A sutileza de Kleber em pontuar esses momentos é notório desde “O Som Ao Redor (2012)”. Tudo fica ainda melhor com a interpretação dos personagens em tela. Todos eles estão ótimos e se entregaram muito bem a cada papel interpretado.

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Sônia Braga está absurdamente bem em seu papel como Clara. Toda a sua trajetória, seu empoderamento, a forma como a sua personagem vai lidando com os problemas e como ela vai encarando as adversidades, é de uma força descomunal. Você não vê essa mulher desesperada, você não a vê pedindo arrego e nem desistindo. É uma mulher que não tem preconceito com nada e nem julga ninguém. Venceu um câncer, perdeu o marido, criou três filhos e independente de certos momentos ter sido ausente nessa trajetória, ela fez o que pode para manter a memória deles viva dentro de si e a gratidão por eles perpetuada. Uma mulher que enfrenta uma construtora inteira sozinha, merece ao menos servir de exemplo para aqueles que acham que podem passar por cima dos nossos direitos sem esquecer da função principal que é acima de tudo, respeitá-los.

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Humberto Carrão complementa toda essa força na dualidade do embate entre protagonista e antagonista. Seu jeito passivo-agressivo de ser  – como foi frisado por Clara –  faz toda a diferença. É através dele que a gente percebe que muitos jovens estão pouco se fodendo para a memória ou para as histórias de um lugar. Sem falar como certas ações podem afetar a vida de milhares de pessoas. O esquema é pensar no sucesso a qualquer custo, em passar por cima do que tiver que ser passado, sem entender o porquê, sem entender as raízes nem o lugar de onde as pessoas vieram. Esse é o papel de Diego, um cara que na pele de Humberto Carrão se transforma em um personagem fortíssimo.

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A trilha sonora de Aquarius daria um artigo especial só falando dela. Mas para você eu deixo apenas o link onde você pode ouvi-la. Ou melhor, deixo aqui um artigo feito pela jornalista Nayara Reynaud do Cineweb. Em seu artigo, ela coletou depoimentos do próprio diretor durante coletiva de imprensa que rolou em São Paulo na semana da estreia de Aquarius.

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O segundo longa metragem de Kleber Mendonça Filho é um retrato social do nosso país quê, em várias camadas, é retratado de forma fiel e sútil. Aquarius vai muito além do protesto de Cannes e dos ataques feitos por pessoas que colocam a sua ideologia a frente de uma obra que tem a função de contribuir somente para o cinema. Aquarius é sétima arte pura e assim que ele deve ser visto e consumido.

Aquarius estreou em 1 de setembro de 2016.

Escrito por Bruno Fonseca

Fundador e editor-chefe do PL. Jornalista apaixonado por quadrinhos, filmes, games e séries.

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