in

HQ do Dia | O Despertar

Apesar de ter uma carreira relativamente extensa como roteirista de quadrinhos, o americano Scott Snyder ficou mundialmente conhecido por seu trabalho principalmente após sua colaboração com o brasileiro Rafael Albuquerque na série Vampiro Americano além da aclamada fase atual no título principal do Batman com o veterano desenhista Greg Capullo. Ao longo dos anos Snyder vem mostrando consistência e versatilidade nas histórias nas quais trabalha, transitando sem dificuldade entre gêneros que vão desde super-heróis até contos de horror, ficção, mistério e crime.

O Despertar é uma série autoral de Snyder em dez partes lançada em 2013 pelo selo Vertigo da DC Comics que chega agora emHQ do Dia | O Despertar Fevereiro ao Brasil em dois volumes pela Panini. O primeiro volume contém as cinco primeiras edições e o segundo as edições restantes. O Despertar literalmente se divide em duas partes distintas – Sendo a primeira (que vai da edição 1 a 5 e é publicada no primeiro volume nacional) um thriller de confinamento bastante tenso e intrigante protagonizado pela bióloga marinha Lee Archer que é recrutada pelo departamento de segurança nacional dos Estados Unidos para investigar uma nova ameaça submarina. A primeira parte é pontuada por pequenas cenas que parecem não ter relação alguma com a trama principal, mas dão a impressão de uma história muito maior do que a que está sendo contada na narrativa principal. A medida em que a história avança os acontecimentos se tornam cada vez mais bizarros e menos realistas (no bom sentido) e quando chegamos ao clímax da primeira parte da história (na quinta edição) temos a guinada de gênero que é realmente o charme da série. A partir da sexta edição, O Despertar deixa de ser uma simples história de ficção e suspense em um ambiente inóspito e se torna uma obra de ficção pós-apocalíptica que remonta aos primórdios da história do nosso planeta. Uma mudança ocorre também em todo o elenco de protagonistas e no ritmo da trama. O mérito do roteiro de Snyder é conseguir relacionar gêneros distintos (o suspense/horror da primeira parte com a ficção pós apocalíptica da segunda parte) se valendo de uma ruptura abrupta e chocante, mas ao mesmo tempo confortável e muito intrigante. As duas partes da história se diferenciam bastante em termos de tom e gênero mas acabam se relacionando entre si por causa da trama macro desenvolvida sutilmente nas primeiras edições com cenas curtas e aparentemente sem sentido. O ritmo do roteiro tem uma cadência muito tranquila e apesar do grande volume de informações a leitura é de fácil compreensão e tem um ritmo que não cansa. Bons diálogos, personagens que mesmo com curtas aparições deixam sua marca e um vínculo emocional muito bacana entre as duas protagonistas da HQ.

A arte nas dez edições de O Despertar é responsabilidade de Sean Gordon Murphy que trabalhou com Snyder em edições de Vampiro Americano. Pra quem não conhece Murphy tem um traço bem rabiscado e meio “sujão” bem adequado ao conteúdo mais adulto dos títulos Vertigo. Em O Despertar vemos uma faceta inteiramente nova do desenhista, na qual pode-se observar um cuidado com caracterização de ambientes, equipamentos de cena, veículos e um desenvolvimento de criaturas cuidadoso. Isso tudo sem perder a pegada visceral e grosseira que já é característica do traço do artista. Temos cenas brutas e chocantes em várias passagens, mas estas se misturam a quadros de ficção épicos e grandiosos como poucas vezes o artista teve oportunidade de desenhar.

O Despertar é mais uma prova de que trabalhos autorais são realmente o melhor que se pode extrair dessa nova safra de jovens artistas em quadrinhos. Assim como em Vampiro Americano e na recente (e excelente) Wytches vemos Snyder nos mostrando um ótimo conceito. Uma HQ com um desenvolvimento sagaz em uma história envolvente que transita entre gêneros com a mesma tranquilidade em que se vai a padaria comprar um pão. A arte de Sean Murphy é totalmente entrosada com o roteiro e temos uma série fechada extremamente divertida. Logicamente algumas pessoas reclamarão do final, mas a conclusão apesar de meio esdrúxula é justificável pois em momento algum a HQ se prende muito a um realismo. No marasmo atual da Vertigo, O Despertar é uma injeção de energia e uma leitura que vale a pena para fãs de horror, suspense e ficção em quadrinhos.

Veja minha última resenha: HQ do Dia | Star Wars #1

Escrito por Igor Tavares

Carioca do Penhão. HQ e Videogames desde 1988. Bateria desde 1996. Figuras de ação desde 1997. Impropérios aleatórios desde 1983.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Loading…

True Detective – Dissecando o ocultismo e o simbolismo da série

Once Upon a Time | Atriz que faz “Elsa” virá ao Brasil