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HQ do Dia | Airboy #1

Devido à enorme oferta de títulos independentes quebrando (e criando) formatos no mercado de quadrinhos atualmente, fica muito difícil surgir algum material que de fato surpreenda o leitor logo em sua primeira edição. Especialmente se tratando de Image Comics (que atualmente vem carregando a bandeira do avant gard na nossa indústria), quando você pega algo da editora para ler já espera ser surpreendido por alguma ideia inconcebível para os padrões um pouco mais rígidos das editoras mais tradicionais e essa expectativa às vezes pode já matar a surpresa.
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Partindo deste pressuposto, temos o consagrado e veterano autor James Robinson (que já escreveu praticamente tudo em termos de quadrinhos mainstream) em um novo trabalho autoral pela editora cuja premissa é um personagem fictício da década de 1940 chamado Airboy, que subitamente ganha vida. Ok. Você vai pensar: “É uma HQ que quebra a quarta parede como Deadpool ou Arlequina eventualmente fazem. Vou seguir a vida lendo minhas ‘Batman’ porque não curto muito este tipo de formato e de repente algum dia pego pra ler”. No entanto quem ler Airboy #1 vai se deparar com muito (muito) mais do que uma mera HQ calcada em metalinguagem e piadinhas.
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O protagonista em Airboy, ao contrário do que se pode imaginar pelo título da revista, não é o personagem homônimo. O protagonista em Airboy é o próprio James Robinson acompanhado do ilustrador da revista, Greg Hinkle. Na história Robinson é contratado pela Image Comics (que adquiriu os direitos da franquia) para escrever um reboot do personagem. O artista, em uma puta crise criativa, não consegue ter ideia alguma para a HQ e convida o ilustrador para sua cidade, São Francisco, para tentar ajudá-lo. Daí para frente TUDO desanda. TUDO mesmo.
HQ do Dia  Airboy #1
­Esqueça praticamente tudo que você já leu deste autor anteriormente. O roteiro de Robinson em Airboy é uma análise de sua própria condição como autor em forma de quadrinhos adultos. Os protagonistas são mostrados a partir da segunda parte da história cometendo inúmeros atos de depravação que não iremos descrever para não estragar a surpresa e a sua diversão. Esta é uma visão torta e cheia de alfinetadas dos bastidores da indústria de quadrinhos e a cada fala do protagonista você vai pescar uma ou outra referência a temas que nós mesmos vivemos comentando em relação ao mercado e seus profissionais.
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Robinson, não perdoa ninguém aqui e principalmente a si mesmo.
Em seus comentários ácidos e amargurados sobra para a DC Comics, os autores indie e até para alguns novos artistas do meio musical. Aí você chega a este ponto da resenha e tem todo o direito de questionar: “Ok. A HQ é somente sobre um roteirista fracassado reclamando da vida e se envolvendo em putaria?”. Não. Como tudo que este senhor escreve, existe um roteiro, uma estrutura de acontecimentos sequenciais, personagens secundários relevantes e um gancho final que apresenta de fato o personagem Airboy.
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No meio de todo este diálogo ácido e das cenas lamentáveis protagonizadas pelos dois personagens o roteiro nunca é deixado de lado.
Airboy #1 é uma “viração de página” alucinante com um ritmo veloz e isso tudo sem UMA única cena de ação. Este formato linear e cotidiano de roteiro de HQ pode parecer fácil de se fazer, mas é uma das tarefas mais ingratas que um roteirista pode ter. Balanceando mais ou menos cada um dos elementos narrativos da trama o resultado pode ser um amontoado de diálogos reflexivos sem estrutura ou uma história que caminha “mancando” por falta de substância. Airboy #1 está muito longe destes dois extremos.
A arte, finalização, colorização e letras do “protagonista” Greg Hinkle nesta estreia podem não parecer nada demais nesta edição de estreia. E realmente, o estilo do artista não chama atenção a primeira vista. Seu misto de caricatura e traço clássico americano serve em 90% desta edição de estreia como suporte ao roteiro e aos diálogos, mas eis que de repente temos uma full page desconcertante e hilária ou uma genitália desenhada sem o menor pudor. Como trata-se de uma história com zero ação, o destaque vai para o esmero nas expressões faciais durante os diálogos e os cenários muito bem detalhados durante toda a revista. As técnicas monocromáticas de colorização variam de acordo com o momento da história e dão um enorme impacto quando finalmente temos a primeira aparição de Airboy.
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Airboy #1 é uma das melhores edições de estreia de 2015 em se tratando de quadrinhos autorais. O tom é adulto e o humor é amargo, mas brilhante. Os diálogos são de uma coragem e honestidade que parecem que foram gravados e transpostos para as páginas. A HQ é profana, perturbadora e ácida na medida certa para que o roteiro não seja comprometido por excesso de “ranço”. Para quem espera somente um título “quebrador” de quarta parede, Airboy é muito mais do que isso. Uma perversão dos bastidores da indústria de quadrinhos e uma diversão que provavelmente vai te fazer esquecer muitos dos títulos que lê atualmente.

Leia minha última resenha: HQ do Dia | Midnighter #1

Escrito por Igor Tavares

Carioca do Penhão. HQ e Videogames desde 1988. Bateria desde 1996. Figuras de ação desde 1997. Impropérios aleatórios desde 1983.

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