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Star Wars | As facetas e metalinguagens nas duas trilogias e em O Despertar da Força

Stars Wars é o tipo de obra que carrega um grau de amor e empolgação por muita gente diferente e de várias gerações – e até mesmo pelos motivos mais variados.

O que se iniciou como a aventura épica e fantástica no espaço a partir das elucubrações malucas de George Lucas cresceu ao ponto não só de se tornar uma franquia, mas um ponto fundamental da cultura ocidental contemporânea, influenciando outras grandes obras e exercendo pressão na produção de muito do que veio a partir do primeiro título, Star Wars IV: Uma Nova Esperança (1977).

Muita gente tem noção de que Star Wars foi criado e desenvolvido com base nos estudos e publicações de Joseph Campbell e da Jornada do Herói, que determina uma espécie de “roteiro padrão” a todas as grandes obras de ficção – que vão desde mitologias milenares, até criações atuais, como Harry Potter e Jogos Vorazes. George Lucas (também conhecido como o velhote louco das drogas) estudou a Jornada do Herói de Campbell de cabo a rabo, e fez questão que seus roteiristas e assistentes fizessem o mesmo.

O universo de SW e seu desenrolar, seja na trilogia clássica, na trilogia antiga (que muitos de nós preferiríamos esquecer) e agora, com O Despertar da Força (e o despertar da nova trilogia), traz em seu âmago essa série de possibilidades e acontecimentos demonstrados e exemplificados no extenso trabalho de Campbell. Com a evolução do método de se contar histórias e da percepção de que não existe apenas o modelo Campbelliano ao se desenvolver uma narrativa, muita coisa tem se mudado em relação aos roteiros e às novas criações, seja no cinema, na literatura, nas HQs e nos videogames – e isso não é de agora.

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A grande questão é que Star Wars, a fantasia mágica de background espacial e tecnológico não poderia se resumir ou se reduzir à sua natureza Campbelliana (por mais que tanto Lucas quanto Abrams tenham conseguido extrair facetas e alternativas tão diferentes dentre os diversos “modelos). O épico espacial vai muito além disso: ele é composto por facetas e até mesmo camadas.

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Na trilogia clássica, iniciada pelo já citado Ep IV, e encerrada com O retorno de Jedi (1983) foi levado às telas do cinema da época como uma metalinguagem artística do crescente e popularíssimo Spaghetti Western italiano, iniciado por, justamente, seu maior expoente, o lendário Sergio Leone, que deu um novo ar e uma nova roupagem (em praticamente todos os aspectos) aos filmes de faroeste. O nascimento do Spaghetti Western (que tem as mesmas iniciais de Star Wars – mas daí estamos entrando no campo das conspirações aleatórias) renovou o famoso nicho do bangue-bangue e influenciou muitas produções da época, incluindo, indiretamente, a franquia de Lucas.

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Desde a construção psicológica até às roupas dos personagens, os sentimentos evocados, a maneira como os atores realizam cenas de ação e até mesmo a maneira que as câmeras são posicionadas evocam a criação de Leone no cinema europeu (mais tarde transferido ao estadunidense). A ampla utilização de armas que se assemelham (muito) a pistolas, a máxima de que “Han Solo sempre atira primeiro“, e até as roupas do próprio, trazem o peso do western italiano não só no quarto, como no quinto e no sexto episódios; no entanto, esses elementos são a maneira metalinguística de apresentar aquele universo e contar a história.

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Nos episódios IV, V e VI, por mais que haja um governo, ele é centralizador e corrupto, mas a ausência de leis é bem perceptível. Criminosos inundam a narrativa às centenas, e um deles, assim como o próprio Eastwood e Bronson já foram: foras-da-lei que mudaram de lado. Existem minorias étnicas de tribos exterminadas (os wookies) e até mesmo montarias comparadas como se fossem cavalos de fuga/corrida. Os bares de Star Wars são representações dos bem conhecidos saloons, e existem caçadores de recompensa e oficiais da lei também.

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Pulemos para a trilogia antiga (episódios I, II e III). A referência não é mais o Spaghetti Western de Leone, mas uma representação um pouco mais “profunda” e ainda mais presente na narrativa do que o faroeste europeu: uma peça de teatro com máscaras. Além da construção de personagens icônicos, como Obi-Wan, Palpatine e o próprio Anakin/Darth Vader, a trilogia dos anos 2000 é montada a partir de três grandes atos de uma única história central, mas com passagens de tempo consideráveis – o que é relativamente comum em determinadas peças e representações (ainda mais se tomarmos em conta épocas e países diferentes).

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Cada personagem tem um conjunto de máscaras que representam não tão somente fases de sua vida, mas mudanças de humor, e até mesmo revelações em geral. A composição dos personagens não se limita a isso, ela também se estende às vestes, que são excepcionalmente diferenciáveis, seja na armadura dos clones em contraste com a cor bronze, cobre e grafite dos droides, às roupas dos senadores e senadoras, dos Sith e dos Jedi. Não existe uma simples configuração de “cada um usa uma roupa diferente”. O que temos é uma montagem visual de uma cena, identificando personagens e seus lugares em cena por mais do que elementos de narrativa através de ações e diálogos.

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A questão central já mencionada, no entanto, é de um destaque especial: as máscaras. Padmé faz uma transição de maquiagens que representa a mudança de suas “funções”, e a mudança no visual é tão forte que cria o aspecto de uma máscara – e enfrenta o peso da máscara da morte, o peso de ter seu rosto cansado sendo mostrado quando ela finalmente falece.

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O próprio Anakin, que passa de uma versão mais jovem, a uma mais madura, a uma com cicatrizes, a uma sendo corrompida pelo lado sombrio e, finalmente, a queimada e deformada, que tem como consequência a sua transformação final de persona e visual em Darth Vader (com uma máscara completamente nova e diferente). A máscara de Obi-Wan é a maturidade e o peso de suas decisões, refletidas não tão somente no envelhecimento do ator, mas na presença da barba, que aos poucos toma seu rosto – e as marcas de envelhecimento são presentes em modalidades teatrais em que máscaras correspondem a diferentes fases da vida.

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A utilização mais interessante da dinâmica das máscaras, porém, se aplica a Palpatine, que se transfigura não tão somente física, mas psicologicamente entre um mestre das forças sombrias e um “senhor de idade”.

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A questão aqui é que a imagem do senhor de idade nunca existiu, ela sempre foi uma máscara que é retirada/cai no momento certo da trama.

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Além disso as dinâmicas de desenvolvimento do roteiro e dos acontecimentos seguem padrões da utilização máxima dos cenários, mas dando máxima atenção aos personagens e às suas ações e falas – e isso, claro, é também um efeito da péssima ideia de usar um background inteiramente digital.

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Finalmente temos o mais recente episódio, VII, O Despertar da Força, que não só traz uma metalinguagem de coreografia de ação e até mesmo de dança aos movimentos, mas evoca o sentimento de uma ópera Wagneriana – que não vem à toa: John Williams, responsável pela trilha sonora de todos os filmes da franquia Star Wars, é conhecido justamente por sua grande inspiração no compositor germânico, e na inserção de temas e movimentos baseados em suas obras (muitos chegam a dizer que Williams conseguiu levar Wagner ao espaço).

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No sétimo episódio JJ Abrams carrega o peso do trabalho de Williams para dentro do filme, e não o contrário que vinha acontecendo até então, em que o filme era levado às composições da trilha sonora – e ela dita o humor e o direcionamento de muita coisa.

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Os movimentos em cena, desde os atores e atrizes, até mesmo às naves em formação são inspiradas em inúmeras coreografias, e a câmera faz questão de lhe dizer isso, de mostrar os movimentos de braço, de perna, as curvas que os veículos fazem, o rastro que deixam para trás como uma continuidade suave do movimento. A câmera, quando não segue a dança, lhe dá uma visão geral do “palco” e lhe mostra o que está acontecendo. Rey, que procura por partes vendáveis em destroços, por exemplo, desce, corre, se dependura e até mesmo luta com movimentos que variam entre um balé clássico e uma dança pós-moderna.

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Já a força da ópera Wagneriana vem em inspirações das histórias criadas pelo compositor clássico dentro da trama do filme, da utilização de elementos de Tristão e Isolda, da Saga do Anel de Nibelungos, etc.; e ainda mais no posicionamento (e da quantidade) de personagens em cena, na quantidade de iluminação e na maneira como o foco é trabalhado em relação àqueles que vão “cantar” e “atuar” na ópera espacial de Abrams. Nas cenas mais importantes vemos dois, no máximo três personagens interagindo no plano principal – mesmo que ali estejam mais atores e atrizes, o jogo entre luz e sombra, assim como o posicionamento, levemente à frente, denuncia e aponta a quem devemos prestar atenção.

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É óbvio que voltamos nossa atenção ao BB8, Poe, Finn e Rey, mas além do “normal” de sabermos a quem prestar atenção, existe a evocação do espírito “operesco“, da conexão com a declamação, e nos momentos chave, a iluminação é retirada ou focada, e elementos específicos nos fazem concentrar em quem devemos nos concentrar – mesmo que hajam dezenas de personagens em cena, focamos em um ou dois.

Não, isso não é Star Wars, é O Anel de Nibelungos.

Star Wars trata de envolver a prática de contar suas histórias não tão somente nos modelos e estruturas mais simples e manjadas, mas naquilo que nos captura a partir dos sentimentos evocados e dos detalhes que raramente percebemos, mas que fazem toda diferença. Numa analogia maluca, são coisas assim que dão poder e são geradas a partir de todos os elementos vivos em cena. Numa analogia maluca, Elas cercam e penetram esses elementos, interna e externamente ao produto artístico, e são elas que garantem uma coesão diferenciada ao conjunto (assim como a força).

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Escrito por Equipe Proibido Ler

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