Equipe Proibido Ler Existem muitas maneiras de se contar uma história (e estamos, aqui, deixando de lado as diferentes mídias). O novíssimo Mad Max que não é um reboot e não é um remake, mas que, segundo o próprio criador/diretor/roteirista, George Miller, não “deve nada” a uma sequência cronológica definitiva, nos traz talvez um jeito bem diferente do que estamos acostumados a receber um enredo: com imagens e sons.
Normalmente temos diálogos ou narrações em off que amarram pontas, servem como instrumento didático e constroem pontes e fundamentações entre cenas e cortes, e explicam personagens e ações. Mas o normal é o melhor? O normal é o único? Vou além: o normal é o essencial?
Estrada da Fúria, que encabeça o primeiro longa da nova trilogia de Mad Max, se conecta com todo o universo dos filmes clássicos. Ele está repleto e inundado de referências visuais e sonoras – e não só à trilogia “original”. Miller, o senhorzinho australiano de 66 anos em quem ninguém botava lá muita fé, deixou claro que a(s) história(s) se passa(m) em algum lugar no tempo depois de Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão (1985), mas não segue uma linha temporal detalhada, definida e limitadora. Segundo George, existem muitas histórias, personagens e diversos conceitos que são ricos demais para que nos concentremos em continuidade a partir dos filmes antigos. E além disso, temos uma certeza definitiva: Max é um dos personagens desse mundo, e ele já foi vivido Mel Gibson, mas agora é Tom Hardy. Porém continua sendo o mesmo Max de sempre.
Hardy traz uma espécie de loucura física ao personagem. Um Max que pisca os olhos de maneira descontrolada, que é visivelmente paranoico e sempre anda com os músculos contraídos, apesar da maneira casual como trata as situações mais (estúpidas) insanas. A confiança em suas habilidades não vem do saber que é forte, ou ágil, mas de que a necessidade de sobreviver o torna capaz de suportar os problemas. Mas Max não é o (único) destaque do filme. Existem vários personagens principais. Um deles é a loucura – uma ferramenta de fúria e redenção.
Um dos principais focos do filme, além da necessidade por água e gasolina, é a da tribo central (representada no longa) pela geração de crianças. O filme deixa a entender que a reprodução é feita entre parentes (o vilão, e uma prima ou irmã), e ela acaba gerando os “meia-vida”, que apresentam uma série de problemas físicos e/ou mentais. A fim de resolver isso, várias garotas são sequestradas enquanto crianças por Furiosa (Charlize Theron), e mais tarde são resgatadas pela mesma, que tenta alcançar uma espécie de redenção. Até esse ponto praticamente nenhum homem é apresentado de forma direta à figura de uma mulher. As mulheres são objetos e ferramentas, mas nunca seres humanos – e o filme faz questão de desconstruir isso em cada fala e atitude do grupo das fugitivas.
Ao se depararem com figuras femininas e decididas, as crianças demonstram uma resposta nova ao sentimento extremamente materno (como Nux diante de uma das garotas, ou os meninos diante de Furiosa).
Partindo aos veículos, os sons dos carros não são apenas sons de motor. Eles têm vida e trazem o sentimento do personagem com eles: seja raiva, dor, tristeza, ou esperança. E cada motor tem uma espécie de canal e filtro de som específico, para que possamos ouvir o rosnar de maneira única e definida.
Além disso tudo, o filme traz pequenas histórias em cada um dos pedaços nos carros, como os fuscas com espinhos baseados nos carros de The Cars that ate Paris (foto), os caminhões, que são carros montados sobre outros carros, e até mesmo armaduras feitas de cápsulas vazias de fuzil imitando uma armadura samurai (deturpando completamente o sentido de honra samurai, mas fazendo alusão às alianças do shogunato japonês durante a história feudal).
Um destaque curiosíssimo vem das mulheres que fornecem leite para o exército de garotos meia-vida, que seguem padrões estéticos clássicos, e trazem vestes e fazem poses de antigas musas e ninfas da fertilidade que, em dado momento, liberam a água para a população miserável e adotam o papel de fertilidade e posicionamento materno.
Finalmente temos algo que torna todos humanos, idênticos, insignificantes e frágeis diante de si, uma força que obriga cada elemento que se vê diante dela a mudar: o deserto.
Tendo dito tudo isso, vamos aos principais e mais notáveis easter eggs. Segue:
1. O suporte/remendo da perna esquerda criado e utilizado pelo Max de Gibson está presente (idêntico) em Hardy.
2. O Interceptor, carro de Max, capota nos primeiros instantes do mesmo jeito e o mesmo número de vezes quando foi destruído em A Cúpula do Trovão. O detalhe é que em Estrada da Fúria, Max reage à segunda destruição (seu carro é reparado pelos kamikrazy de Immortan Joe) dizendo “de novo não” como se já tivesse acontecido bem mais que só uma vez.
3. Após capturarem Max, os warboys tatuam suas costas com uma série de informações, sendo que uma das centrais diz “Road Warrior”, fazendo menção ao segundo filme da série original, lançado em 1981.
4. A caixinha de música com que uma das garotas “resgatadas” por Furiosa carrega, é extremamente semelhante a que o Max de Gibson segura em Estrada da Fúria ( é possível ir além: a caixinha desconstruída, sem seu invólucro, foi proposital. Seu formato lembra muito ao de um motor)
5. O “costume” de prender pessoas na frente dos carros é antiga. Em Estrada da Fúria, eram “meat bag”, agora Max é um “blood bag”.
6. A chave inglesa utilizada por Furiosa não só é idêntica à usada por Gyro (Bruce Spencer) na luta contra Max, como também é a escolha que “vem à mão” em um momento de improviso.
7. Falando do Gyro, há uma caveira que remete muito aos ferimentos faciais e, inclusive, a máscara que o personagem utilizava em Estrada da Fúria dependurada no carro de Nux.
8. Os machucados de Furiosa são extremamente similares ao do Max em Estrada da Fúria (inclusive o olho machucado é o mesmo)
9. Max tem uma espécie de relacionamento a longo prazo com escopetas inúteis/sem cápsulas. Ele repete praticamente a mesma cena da trilogia clássica, em que ameaça usando uma arma de fogo inútil.
10. O lugar onde Immortan Joe mantém suas “parideiras” é de extrema semelhança com a cúpula do trovão presente no filme de 85.
A cúpula do trovão parece ser a prisão em que Immortan Joe mantém suas beldades
11. Falando em Immortan Joe, o ator que o interpretou é o mesmo que esteve na pele do vilão Toe Cutter.
12. Os warboys ameaçam seus inimigos de maneira idêntica a que Toe Cutter ameaça suas vítimas: abrindo a boca e grasnando.
13. E, claro, temos a velha e adorável cena de volta: o esbugalhar de olhos antes de uma morte maluca.
Mad Max: Fury Road, é um filme muito além do que uma análise superficial pode garantir, e ele conta bem mais que uma história de um personagem – e dentre tantas informações, mal citei o viés feminista do filme, que pode e deve ser analisado de forma bem mais efetiva por mulheres.
E o melhor? George Miller garantiu que esse é apenas o começo.
Veja também – Mad Max: Estrada da Fúria (2015) | Ação, poeira e Woman Power
