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O Reboot de She-Ra e o dodói das crianças com mais de 30 anos

Não sei o que anda acontecendo com a memória afetiva de algumas pessoas, principalmente quando surge alguma noticia de um estúdio de animação, serviço de streaming ou emissora de televisão dizendo que, determinado produto que foi sucesso nas décadas de 1980 e 1990, será repaginado. Num primeiro momento a maioria já coloca um pé atrás, no segundo momento, onde são divulgados as primeiras imagens do produto repaginado, aparece uma doença estranha e sintomática que diz que o produto que fez a infância/adolescência dela mais feliz, acaba de ser estragado por terceiros.

A última vez que essa doença se espalhou quase que como uma epidemia, foi quando o Cartoom Network divulgou as primeiras imagens de Thundercats Roar. Uma produção com estreia prevista para 2019, e que traz um visual muito parecido com o desenho Steven Universo. Houve toda a sorte de críticas e “choro” ao novo desenho. Se quiser saber mais sobre, leia A nostalgia que cega a visão além do alcance – matéria do Judão que comenta tudo que rolou na época em relação a nova versão de Thundercats.

Pois bem, chegamos novamente em um outro momento onde esse comportamento voltou a acontecer quando a Netflix divulgou as primeiras imagens da nova versão de She-Ra: A Princesa do Poder. O reboot recebeu o nome de She-Ra e as Princesas do Poder, é produzido pela cartunista norte-americana Noelle Stevenson que ficou conhecida por duas obras em quadrinhos, Nimona e Lumberjanes, publicadas no Brasil pela Intrínseca e Devir, respectivamente. Ambas obras de Noelle foram premiadas com um Eisner (uma espécie de Oscar dos quadrinhos) e, além de contar com a Netflix para distribuir o conteúdo, ainda tem por trás dela a Dreamworks como um grande estúdio de animação. Ou seja, o desenho está mais do que nunca, recheado de profissionais de qualidade a começar pela autora.

A premissa de She-Ra e as Princesas do Poder será a mesma do desenho exibido nos anos 1980 e 1990. Desenho este que nasceu para fortalecer as vendas de brinquedos da linha destinada a meninas de He-Man e os Defensores do Universo fabricada pela Mattel. História que é contada em detalhes no terceiro episódio da série Brinquedos que Marcam Época disponível na Netflx.

She-Ra e as Princesas do Poder vai acompanhar as aventuras de Adora, filha do Rei Randor e da Rainha Marlena e irmã gêmea do príncipe Adam (He-Man), que foi separada da família quando bebê e adotada por um vilão. Embora criada para acreditar que os vilões estão fazendo o que é certo e que as Princesas são as pessoas má, ela começa a duvidar disso e abandona a maléfica Horda quando encontra uma espada mágica que a transforma na princesa guerreira She-Ra. Com a ajuda de amigos, ela se junta às outras princesas mágicas na Rebelião para liberar o mundo do mal.

A memória afetiva

Essa memória é traiçoeira e perigosa, pois sempre nos remete a momentos bons e saudáveis que marcaram nossa infância de alguma forma. Sempre acompanhada de ação rotineira da época como sentar em frente a TV para assistir Os Cavaleiros do Zodíaco às 18 horas da tarde, um doce específico que sua mãe colocava na sua lancheira para você levar para a escolha ou as horas que você passava jogando Super Nintendo ou Mega Drive numa locadora de bairro. Enfim, são momentos bons que ficaram guardados na memória e que hoje são resgatados sempre com uma boa dose de nostalgia.

Quem assistiu à She-ra e He-Man na época, carrega esses dois produtos na mala das memórias afetivas. E o que isso quer dizer? Quer dizer que por causa dessa ligação e desse sentimento que um individuo tem com uma coisa, ele acha que tudo que aparecer e não for igual ao que ele sentiu na época, vai soar como ruim ou estragado.

Quando eu falo que a memória afetiva é perigosa e traiçoeira eu não estou mentindo e trago aqui dois exemplos. O primeiro é em relação a série Cybercop, os Policiais do Futuro – uma série japonesa de tokusatsu exibido na extinta TV Manchete. Eu amava esta série, queria ser o Júpiter e quando eu cansava dele, dizia para todos os meus amigos nas brincadeiras que fazíamos que a partir daquele momento eu seria o Marte. Recentemente eu fui reassistir aos episódios que estão disponíveis no YouTube e eu não suportei ver um inteiro. Não deu! Eu fiquei desesperado, pois isso poderia estragar a memória afetiva que eu construí em cima da série.

O outro exemplo foi em relação ao filme Armagedom (1998). Ben Aflleck, Bruce Willis e Liv Tyler marcaram meus 12 anos de idade. Eu amava tanto esse filme, que até mesmo uma vez cheguei a reproduzir algumas cenas em texto num caderno velho da escola de tanto que eu gostava dele. Recentemente eu estava sem nada pra fazer, fui escolher alguma coisa pra assistir na Netflix e acabei dando play no filme pra relembrar os bons momentos dos meus 12 anos. O resultado foi o mesmo do primeiro exemplo, eu não consegui assistir nem 40 minutos do filme e desisti. E ainda fiquei me perguntando como eu cheguei a amar um filme desses e ainda por cima do Michael Bay?

Portanto, qualquer julgamento que a gente faz baseado na memória afetiva criada em cima de uma determinada vivência, coisa, desenho, filme e etc. é perigoso demais! Principalmente se tratando de algo que, em tese, não foi pensando e desenvolvido para atender nossas exigências. Ou seja, quando não somos o público alvo. Que é tanto o caso de Thundercats Roar como do reboot de She-Ra.

A obra original continua intocável

Não importa se foi rebootado, recriado, repaginado, recontado, não importa se as alterações de um desenho, filme, série ou quadrinho não soa igualmente ao “clássico” que te marcou, a obra original continua no mesmo lugar de sempre e intocável. Não gostou de um desenho que você nem chegou a assistir, tudo bem! Você pode assistir em VHS (tem gente que ainda tem), DVD, Blu-Ray, no YouTube ou Netflix. Em algum lugar desse mundo ainda mais com a facilidade ao acesso da informação que temos atualmente, é possível revisitar tudo isso que a sua memória afetiva alimenta ao longo dos anos.

Traços parecidos

Muita gente tem reclamado que os traços dos desenhos atuais estão todos muito parecidos. Falaram muito disso no caso de Thundercats Roar, por exemplo, seguir a mesma linha de Steven Universo. Mas não podemos esquecer que lá, nos anos 1980/1990, tudo tinha quase a mesma cara. Que nos anos 2000 tudo tinha quase a mesma cara. Que nos anos 2010 tudo tinha quase a mesma cara e que agora, chegando ao final de mais uma década, tudo tem quase a mesma cara.

Conquistando a nova geração

Como dizia o Exaltasamba em uma canção com participação de Zeca Pagodinho, “Chora, chora que chorar faz bem, ainda mais se for um choro de alegria ao reencontrar alguém“. Esse alguém pode ser as memórias da sua infância, por exemplo! Choro causado por nostalgia faz bem demais, mas chilicar por algo que você está julgando na gratuidade faz de você – como diria Caio Ribeiro, ex-jogador de futebol e comentarista esportivo da Globo – um bananão! Novamente, She-Ra e as Princesas do Poder é um produto que não foi feito para as crianças com mais de 30 anos. Ele é destinado para uma faixa etária bem menor, mais precisamente com a mesma idade que você, que tem mais de 30 anos, talvez tinha quando assistiu She-Ra: A Princesa do Poder pela primeira vez.

É importante perpetuar uma franquia e, as novas atrações que carregam o seu legado ou o mesmo nome do produto original, estão ai pra isso! É imprescindível continuar atingindo cada vez mais novos fãs que, ao gostarem da versão nova, podem facilmente se interessar pela clássica e no final morrer de amor pelas duas.

Escrito por Bruno Fonseca

Fundador e editor-chefe do PL. Jornalista apaixonado por quadrinhos, filmes, games e séries.

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