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A Maldição da Chorona (2019) | Estética fala mais alto que narrativa irregular

A franquia Invocação do Mal, iniciada em 2013, tornou-se um dos universos mais envolventes e explorados dos últimos anos e, sem sombra de dúvidas, ganhou um espaço considerável dentro do gênero de terror. E, como se não bastasse, as sombrias aventuras de Ed e Lorraine Warren geraram spin-offs que, apesar de não carregarem o mesmo brilho de outrora, aumentaram o panteão sobrenatural de forma progressiva e aplaudível, mesmo cedendo a alguns convencionalismos baratos. E é claro que, considerando o pífio lançamento de A Freira no ano passado, nossa paixão pelo cosmos criado por James Wan desacelerou um pouco, ao menos até o anúncio de que A Maldição da Chorona também faria parte dessa franquia.

O problema é que o longa-metragem dirigido por Michael Chaves morre na praia e não consegue entregar o que promete: é interessante observar de que forma a mitologia mexicana consegue se infiltrar na narrativa arquitetada pelo diretor, com supervisão novamente de Wan, mas as expectativas logo vão morrendo conforme a história se desenrola. O resultado pode não ser tão catastrófico quanto a iteração predecessora, porém não anima muito e pode até mesmo influenciar no lançamento das produções futuras, incluindo Annabelle 3 e Invocação do Mal 3 – afinal, Chaves ficará responsável pelo retorno do casal Warren às telonas em 2020 e, ainda que não consiga conduzir com tanta precisão esse novo conto de terror, ao menos abre espaço para algumas investidas imagéticas notáveis.

A trama inicia com um promissor prólogo, girando em torno de uma jovem mulher (Marisol Ramirez) movida pelo ódio decorrente da traição de seu marido que, num ato cruel, afoga seus dois filhos em um rio. Arrependendo-se do que fez, ela se suicidou e foi condenada a vagar por toda a eternidade em busca de crianças para substituir as que assassinou. E é claro que, insurgindo como uma importante e famosa personagem do folclore latino-americano, ela apareceria nos dias de hoje para continuar seu reino se caos e perseguição – e mais: afastando-se dos clichês baratos, pelo menos no início do primeiro ato. Mais uma vez, o que nos pega mais do que qualquer coisa é a frustração de uma boa premissa sendo desperdiçada em prol do que o terror “obrigatoriamente” pede, como os excessivos jump scares.

A Chorona, como a mulher ficou conhecida, acaba por assombrar a família Alvarez, acolhida pela assistente social Anne (Linda Cardellini) que, em uma tentativa de salvar as pequenas crianças, contribui para a ruína desse núcleo e vira o alvo da matriarca Patricia (Patricia Velasquez). Patricia, percebendo o que aconteceu e que seus sacrifícios para salvar os filhos foram em vão, reza para a criatura demoníaca pedindo que leve os infantes de Anne ao invés dos seus – e é nesse momento que a atmosfera sobrenatural começa a falar mais alto.

Diferente da jornada tour-de-force protagonizada pelos Warren, que jamais se mostraram céticos perante as forças inexplicáveis do mundo espiritual, a personagem de Cardellini traça o ceticismo esperado para uma espécie de epopeia medíocre e morna. É claro que a atriz ganha bastante poder e carrega toda a produção nas costas com uma atuação longe de esbarrar nos estereótipos. É visível sua transformação de mãe e profissional com os pés no chão em uma protetora e assustada pessoa que não pensaria duas vezes em dar sua vida para impedir qualquer mal de alcançar os filhos Chris (Roman Christou) e Samantha (Jaynee-Lynne Kinchen).

Essa é uma das raras entradas fílmicas que conversam conosco mais por sua beleza que pela narrativa – e tal constatação é um obstáculo pesaroso para a ideia principal da obra. Quando na cronologia atual – meados da década de 1970 -, Chaves começa a emular Wan, talvez como forma de reafirmar que a história em si faz parte de um universo macrocósmico. Entretanto, é muito fácil perceber de modo as construções miméticas são puramente visuais e superficiais, não trazendo uma necessidade palpável ou que contribua para a compreensão do panorama geral. Por exemplo, temos o plano sequência inicial que não traz uma diferença gritante, servindo apenas para mostrar como o cotidiano de Anne é muito corrido; a diferença é clara quando comparamos esse plano com o usado em Invocação do Mal 2, usado para transformar a minúscula casa de Enfield em um labirinto amaldiçoado.

A direção de Chaves, todavia, perde sua essência e importância em decorrência de um roteiro que não consegue equilibrar humor, drama e suspense em um mesmo receptáculo cinematográfico. Mikki Daughtry e Tobias Iaconis parecem jogar fora a mitologia que ousam nos apresentar e explorar, substituindo-a por quebras de expectativas que erroneamente descontroem angustiante e, de certo modo, aprazível ambientação. Raymond Cruz aparece como o xamã e ex-padra Rafael Olvera, contatado por Anne para livrar a casa da Chorona e sua imediata presença já mostra um sarcasmo e uma irreverência que simplesmente não fazem sentido dentro do que o longa preza.

Não podemos tirar mérito do cineasta em tentar revolucionar ou reimaginar possíveis sustos – e aqui menciono uma pequena pérola envolvendo Samantha, um guarda-chuva plástico e uma piscina que realmente é inesperada e surpreendente -, mas os esforços soam e se arquitetam de um jeito artificial demais até para os mais apaixonados pelo gênero.

A Maldição da Chorona faz um barulho mais alto do que podemos suportar e assustadoramente dá indícios de um cansaço dentro do universo arquitetado por James Wan que ganham voz desde a última iteração que chegou aos cinemas. É claro que o produtor deve ter algo em mente para reparar esses erros e, numa perspectiva irônica, o novo filme consegue nos arrancar algumas lágrimas – mas de frustração.

Escrito por Equipe Proibido Ler

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