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Zumbilândia (2009) | Desconstruindo um gênero

O gênero zumbi já dá as caras desde a Era de Ouro do cinema hollywoodiano, construindo-se gradativamente a partir da década de 1940 com clássicas narrativas em que um cientista louco reanimava cadáveres e, sem pensar nas consequências, acabava por criar um gigantesco perigo para todos. Desde então, os famosos mortos-vivos ganharam inúmeras produções em que insurgiam como o principal antagonista, normalmente dentro de um escopo pós-apocalíptico em que um vírus mutante se espalhava em um estalar de dedos pelos sete continentes, dizimando a população mundial e deixando os sobreviventes à flor da pele para se manterem vivos e não fadarem ao trágico destino que seus companheiros tiveram.

É claro que, apesar de algumas produções serem forçadas demais – como a franquia Resident Evil (2002), que pode ser vista mais como uma ode às habilidades de luta de Milla Jovovich do que uma convincente e aprazível trama -, alguns desses filmes em questão realmente promoveram uma revitalização do gênero, afastando-se de convencionalismos saturados em prol de uma história nova, mais puxada para o melodrama social ou para a comédia pastelão. A Noite dos Mortos Vivos (1968), clássico do final da década de 1960, inspirou diversas obras, incluindo o recente Guerra Mundial Z (2013), além de ter aberto portas para criações inusitadas – como Todo Mundo Quase Morto (2004), que misturou diversos suis-generis para um único prospecto cênico e acabou se tornando um sucesso da crítica.

É a partir disso que Zumbilândia (2009) conseguiu terreno. Seguindo os passos de construções predecessoras, o pano de fundo já nos é conhecido e está presente em praticamente todas as cenas – mas o que importa aqui não são os zumbis, por assim dizer, e sim os protagonistas. E mais que isso, até mesmo os respaldos cômicos, influência das dramédias televisivas dos anos 2000, ganham uma repaginação interessante, colocando Jesse Eisenberg como o narrador de uma espécie de podcast. Ao dar a vida à Columbus (que não necessariamente é seu verdadeiro nome, mas sim o lugar ao qual deseja ir), ele ganha uma divertida onisciência que o permite abrir certos parênteses em meio às sequências principais, viajando no tempo e no espaço para fornecer breves explicações sobre o que realmente está acontecendo – bem como para nos introduzir a seus companheiros de guerra.

Columbus é um jovem nerd que sobreviveu ao levante dos mortos graças a um meticuloso plano, que o força a seguir certos procedimentos autoprotetores. A princípio, ele exala um ar de egoísmo abrandado, visto que faria de tudo para se manter vivo; as coisas começam a mudar de cenário quando ele cruza caminhos com o ácido Tallahassee (Woody Harrelson), cuja caracterização visual remonta a um proposital estereótipo do homem do interior, desde o forte sotaque sulista até as roupas de couro e as infindas armas que esconde no porta-malas. Porém, apesar dos extremismos cênicos, mergulhar de cabeça nessa narrativa e permitir a si mesmo conhecer personagens profundos, com medos, traumas e receios quanto a confiar em desconhecidos e ao caótico mundo em que agora são obrigados a viver.

Pouco depois, a dupla conhece outras duas personagens: Wichita (Emma Stone) e Little Rock (Abigail Breslin), irmãs golpistas que também trilham seu caminho para um destino em questão, um parque de diversões localizado na Califórnia. Ambas acabam planejando uma armadilha para Tallahassee e Columbus, mas voltam a reencontrá-los em uma situação complicada e, a partir disso, começam a constituir a família mais bizarra do cinema contemporâneo. Eventualmente, o roteiro de Rhett Reese Paul Wernick, já conhecido por incrementar histórias formulaicas com o melhor do inesperado, faz alusões a tour-de-force tragicômicos familiares, levando-os de um lugar para o outro à medida em que amadurecem – mas nunca deixando de utilizar suas invejáveis habilidades para lutar contra os inimigos ou extravasar a constante adrenalina em, digamos, uma loja abandonada.

É interessante perceber de que forma o diretor Ruben Fleischer também constrói sua própria identidade dentro desse escopo fílmico – e mais interessante ainda notar como ele se levaria à própria ruína anos depois com o lançamento de Venom (2018), um forçadíssimo trash que não serve nem mesmo para agradar aos fãs do gênero. Suas investidas artísticas e técnicas em nenhum momento sofrem com fórmulas, preferindo buscar por algo natural e fluido. Não é surpresa que cada nova entrada é sutilmente prevista pela voz do narrador, e mesmo assim não entrega todas as surpresas do longa, cultivando o elemento imprevisível e os obrigatórios jump-scares, que também funcionam em uma completude incrível.

Não podemos deixar de comentar certos deslizes que quebram o dinamismo apresentado ao público desde o começo – e não, não me refiro aos flashbacks ou explicações que invadem a cronologia do filme, mas sim de certas escolhas que, mesmo com a intenção de aumentar o suspense, a angústia e o drama que antecede o clímax final e já nos insere na conclusão, pareceram artificiais demais. Afinal, ainda que estejamos lidando com uma obra ficcional pós-apocalíptica, a verossimilhança tem um poder inenarrável para nos convencer de que aquilo é verdade – e a sequência no parque de diversões, por mais compreensível que seja, soa como algo juntado às pressas. É claro que isso não tira o brilho da obra; porém, os momentâneos equívocos não passam despercebidos.

Zumbilândia é uma ótima e aprazível narrativa recheado com incrível potencial para as investidas futuras. Porém, ainda que sirva como uma revitalizada porta de entrada, ela não permanece na zona de conforto e transforma a si mesma em uma híbrida e divertida construção cinematográfica que faz alusão a diversos clássicos do cinema – e tudo isso sem perder sua originalidade.

Escrito por Equipe Proibido Ler

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