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As Viúvas (2018) | Uma Nova Esperança para as Narrativas Contemporâneas

É muito difícil, na criação de um produto cinematográfico, não cair nos perigosos e sedutores clichês. Tais fórmulas são utilizadas e reescritas porque geralmente funcionam e porque partem de uma perspectiva errônea de que todas as histórias já foram contadas, sejam elas fabulescas ou realistas; entretanto, sabe-se muito bem que, para que uma obra contemporânea atinja um ápice catártico considerável, é preciso que se tenha noção de que forma contar. Não é à toa que os filmes do circuito de festivais, em geral, apresentem visões novas para narrativas bastante conhecidas, incluindo a famosa jornada do herói e os infinitos arcos de vingança. E foi pensando nessa mesma originalidade que o diretor Steve McQueen construiu o seu nome, atingindo um patamar aplaudível com 12 Anos de Escravidão e voltando a ganhar os holofotes com sua mais próxima investida.

Em As Viúvas, McQueen propõe revitalizar o gênero de ação, mais precisamente o suis generis de estratégia e de assalto. Em grande parte, sua reformulação abre margens interessantes e que podem ser melhor exploradas, principalmente pela capacidade que ele carrega de extrair o melhor de seus atores – é só nos lembrarmos de Chiwetel Ejiofor e Lupita Nyong’o no longa supracitado. A tentativa cumpre a proposta em diversos aspectos, porém é inegável dizer que alguns deslizes poderiam ser evitados caso houvesse uma concordância entre construção cênica e escopo dialógico. Porém, não podemos tirar mérito de uma das coisas mais importantes e uma das principais regras da arte fílmica: a preocupação com o novo.

A trama abre da melhor forma possível, numa mistura perfeita entre o drama familiar e sequências de perseguição. Nos poucos minutos iniciais, a incrível montagem intercalada nos mostra a vida aparentemente perfeita de Veronica (Viola Davis) e Harry (Liam Neeson), apenas para logo depois descontruir a visão ilusória com um roubo fracassado liderado pelo homem em questão. À medida que o primeiro bloco se desenrola, percebemos a química apaixonante e assustadora que David e Neeson compartilham mesmo sem trocar uma palavra sequer, e que é reafirmada quando ele e seus companheiros são brutalmente mortos pela polícia. E não é apenas isso: nesse mesmo recorte, conhecemos os outros personagens principais, percebendo como as distintas vidas eram unidas por um mesmo propósito.

Após o funeral, Veronica mantém-se em uma pose que aproxima a atriz de outro de seus incríveis papéis, agora em relação à série How to Get Away with Murder, na qual dá vida à professora Annalise Keating. Apesar das semelhanças, é inegável dizer que Davis se entrega de corpo e alma a uma construção arquetípica visceral e dolorosa de uma socialite que está com tudo prestes a ser queimado. Afinal, seu ex-marido, no último trabalho, roubou o dinheiro do candidato a governador Jamal Manning (Brian Tyree Henry), o qual está cobrando pela restituição da forma mais amedrontadora possível.

 

Em um momento de pura fraqueza e impotência, a protagonista encontra o único de se preservar: indo diretamente até as outras viúvas e sutilmente obrigando-as a participar de um último trabalho. O roubo, estimado em cinco milhões de dólares, visa sanar a dívida e permitir que cada uma delas, agora sozinhas e com inúmeros sonhos congelados, consiga reencontrar um caminho digno. Além da performance inesperada de Michelle Rodriguez como Linda, fugindo de seu comum estereótipo lutados em franquias como Velozes e Furiosos e Resident Evil, é Elizabeth Debicki quem divide os méritos com Davis rendendo-se a uma atuação permeada por delineações bem construídas e um arco invejável no papel de Alice.

A direção de McQueen não apenas é extremamente competente, como realiza emulações e obras-primas do cinema contemporâneo mais de uma vez. Além da atmosfera intimista que descontrói a engessada imagem dos longas-metragens de ação e aprofunda as relações interpessoais das personas, há alguns pontos de extremo cuidado estético que merecem ser descritos. Dois planos-sequência, que quando colocados lado a lado refletem os ápices principais da produção, tiram o nosso fôlego e chegam até a ser emocionantes: o primeiro traz o oponente de Jamal, Jack (Colin Farrell), entrando em sua limusine ao lado da secretária e indo de um periférico bairro à sua sede governamental. A câmera, nesse momento, se recusa a brincar no campo-contracampo e permanece o tempo todo posicionada do lado de fora, seguindo a trajetória no mesmo estilo de Filhos da Esperança.

 

O segundo, colocado na resolução do terceiro ato, coloca Veronica em foco, dirigindo sem olhar para trás após o roubo ter tido sucesso e ela ter deixado num passado bem próximo o seu passado, sacrificando o que conhecia em prol do novo. No mesmo quadro, conseguimos ver Davis entrando em um nirvana catártico as reminiscências de sua dor literalmente em chamas, até o fade out. É claro que este teria sido o final perfeito para algo grandioso, mas os deslizes não se concentram apenas no desnecessário epílogo, como já dão as caras muito antes.

Gillian Flynn marca sua primeira parceria com McQueen após o sucesso iminente de Garota Exemplar e da adaptação de Sharp Objects. E é justamente aqui que o primeiro obstáculo se firma: o diretor e a roteirista parecem não ter uma concordância plena quanto à identidade do filme. Flynn está acostumada a criar narrativas mais dramáticas, tangenciando o psicodrama social, e o cineasta se utiliza bastante das questões sensoriais para unir o público à história. O resultado é um tanto estranho e deixa a entender que existem duas obras diferentes a serem assistidas, erguendo uma triste barreira conectiva.

 

As Viúvas entrega-se a algo que talvez nunca tenhamos visto antes no cinema, mesmo não estando desprovido certas escolhas equivocadas. De qualquer forma, os poucos erros são ofuscados pela elenco de ponta, principalmente quando mencionamos os nomes irretocáveis de Viola Davis e Liam Neeson.

Escrito por Equipe Proibido Ler

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