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A Bruxa (2015) | A alegoria do satânico: Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina

A Bruxa (2015) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)

É importante dizer que não existem produções iguais a essa. Talvez parecidas, talvez com alguns dos elementos a partir dos quais se decidiu construir o resultado – mas nada igual.  A Bruxa (The Witch, 2015) é um filme de terror, e não há nenhuma dúvida em relação a isso; porém, o terror, assim como o medo que ele produz, tem várias faces (que não necessariamente tem a ver uma com a outra).

Dirigido e escrito por Robert Eggers, A Bruxa é um dos resultados do renascimento de um gênero que chegou em seu limite em diversos aspectos. Ele é fruto de árvores que já foram plantadas no mesmo terreno e já renderam diversas outros fins através da aplicação de diferentes métodos, movimentos, histórias, técnicas e temáticas. Finalmente, é um filme que trabalha com uma vertente do terror que não estamos acostumados a assistir, mas está profundamente enraizado naquilo que define a nossa sociedade (ocidental).

A Bruxa (2019) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)Não há sustos, coisas pulando em direção à tela, momentos em que a trilha sonora bombardeia nossos ouvidos de surpresa, etc.  O terror aqui é muito mais profundo: ele é alegórico, e ao mesmo tempo real.

A Bruxa (2022) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)

O roteiro é ao mesmo tempo simples (mas não simplista), e complexo (mas não desnecessariamente complicado), e sempre vão existir três camadas de tudo que se vê em tela: o explícito (objeto, personagem, paisagem, etc), o alegórico e o significado (ou o implícito); e os três se combinam e coexistem o tempo inteiro.

A Bruxa (2024) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
A fotografia é fria, e consegue trazer uma sensação úmida e seca ao mesmo tempo. As paletas de cores e tudo que foi escolhido nesse sentido produzem um clima que nos deixa propositalmente tensos e tensas. Por conta dela, ficamos em dúvida se o sobrenatural é ou não real.
A Bruxa (2030) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
Em quesito trilha sonora o filme é uma obra prima sem igual, combinando instrumentos desafinados, coros desarranjados, barulhos de correntes e o estalar de fogueiras, e escolhas fantásticas de edição e sincronização, deixando quem quer que assista sempre no máximo da tensão – e mais uma vez, é outro dos elementos que nos coloca em dúvida se o sobrenatural é real ou não.

A Bruxa (2033) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
As locações foram um achado à parte, assim como o trabalho meticuloso e impressionante da equipe de figurinistas e de construção de set, que fizeram pesquisas extensas e trouxeram ao longa peças incríveis cheias de detalhes e de precisão praticamente incomparável. Outro detalhe menor (embora não menos importante), é o fato de que atores e atrizes falam em inglês arcaico durante o longa, inclusive as crianças (!).

A Bruxa (2016) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)

O filme não se passa na Nova Inglaterra por acaso, muito menos na época em que escolheram (colonização) a partir de uma decisão aleatória. A trama gira em torno de uma família puritana inglesa que saiu de seu país para atender aos chamados da coroa e de seu deus nas 13 colônias americanas. A família é composta pelo patriarca, William (o brilhante Ralph Ineson), a esposa, Katherine (Kate Dickie), a filha mais velha, Thomasin (a fantástica Anya Taylor-Joy), o filho mais velho, Caleb (o surpreendente Harvey Scrimshaw), os gêmeos Mercy (a estreante Ellie Grainger) e Jonas (o também estreante Lucas Dawson), e um bebê recém nascido (não creditado).
A Bruxa (2026) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
Ao decorrer do filme, a família sai de um grande acampamento colonial e se muda para o meio do nada em uma ravina a fim de estabelecer um plantio e uma casa, e é a partir disso que eventos mais explícitos começam a acontecer. Explícitos porque há uma série de decisões, ações, gestos, trejeitos e caminhos tomados que são parte implícita e significativa da história – e eles estão lá desde o primeiro minuto do longa.
A Bruxa (2023) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
Disso, é a espiral em direção ao mistério da existência ou não da força oculta por trás de todos os problemas que acontecem com a família – inclusive o desaparecimento do bebê. O isolamento e a distância de outras pessoas, além de uma série de acontecimentos estranhos, faz com que as pessoas ali reunidas sejam vítimas de seus próprios medos, construções imateriais de mal, ansiedades e segredos.

A Bruxa (2017) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)

ALGUNS SPOILERS!

Talvez a camada mais importante que perpassa (e ao mesmo tempo envolve) o filme, sua história e suas imagens seja a alegoria. No final, descobrimos que o mal que assola tudo e a cada um/a é a libertação das correntes que impedem o desenvolvimento das vontades individuais, e sendo fruto de uma época, de um lugar e de uma religião (que pode bem ser aplicado hoje em dia em grande parte do mundo Ocidental), essa liberdade é o demônio.

O demônio tem três faces específicas no filme, e significa o afastamento de tradições patriarcais, machistas, medievais, clericais e contrárias ao desenvolvimento intelectual. A bruxa, que faz o pacto com o diabo ao dançar nua enquanto lê seu livro e escreve seu nome, é o retrato da mulher que se desfaz de sua prisão social e religiosa de serva.
A Bruxa (2020) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
Todos os personagens pecam (de acordo com a própria fé) de alguma maneira, mas é somente Thomasin que não vê corrupção nos pecados, mas algo que deve ser compreendido e desenvolvido, e usado para aprender e evoluir, e não acrescentar mais barras à própria masmorra.

A Bruxa (2018) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
Existem três referências fundamentais no filme sob a imagem de três figuras: a bruxa (tanto a jovem, quanto a velha), o bode e a lebre. A bruxa é uma caricatura monstruosa sob pele (mais ou menos) humana, e é, sem tirar nem por, a representação clássica de uma feiticeira sombria do folclore europeu e estadunidense do século XVII. É a “hag”, ou a velha assustadora, e é a “succubus”, o demônio feminino da luxúria.

A Bruxa (2021) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
O bode negro, símbolo de Baphomet, uma metáfora entre Baphe e Metis (Batismo e Sabedoria), era um dos pontos de adoração “institucional” dos Cavaleiros Templários, e simbolizava o amor por deus, mas a busca pela sabedoria a partir do batismo sob as leis cristãs. Baphomet também já foi considerado um importante símbolo islâmico de revelação, tendo aparecido para Maomé e lhe revelando vários segredos divinos. Além disso, a criatura remonta uma série de tradições matriarcais mesopotâmicas e até mesmo célticas sobre fertilidade, inteligência e evolução – coisas que, junto à entidade que lhes representava, foram demonizadas.
A Bruxa (2025) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)Já a lebre negra, é como o inverso de Jesus (que ainda hoje em algumas congregações mais antigas é representado como uma lebre branca), sendo a contraparte “maligna”, mas sendo, na verdade, o profano no sagrado (duas faces de uma mesma moeda). Para os fãs de Monty Python (e o Cálice Sagrado) acaba gerando boas gargalhadas enquanto referência terceira e bem indireta (e assumida pelo diretor).

A Bruxa (2031) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
Estes elementos são pontes de libertação e descobrimento, que tentam (de alguma maneira) chegar a todos, mas apenas a jovem Thomasin consegue se permitir (pela paz e também pelo choque do absurdo) o aprendizado e a exploração (que não são nada demonizadores).

A Bruxa (2032) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)

Fora tudo isso, há uma série de preceitos satanistas dentro do longa, como defesa de liberdades individuais, não fazer o mal ao outro, o sexo como algo poderoso, bonito e extremamente natural, e a mulher como uma figura forte e dona de suas próprias decisões e pensamentos.

A Bruxa (2034) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
No final do filme, Thomasin entra na floresta nua e se liberta de seus pudores, assina o livro do diabo e permite a si mesma o conhecimento, e celebra com outras mulheres ao redor de uma fogueira, dançando, porque há uma sororidade inata à mulher – que lhe foi retirada pela religião, pela negação ao conhecimento, e pelo aprisionamento dentro de conceitos e valores patriarcais e antiquados.

A Bruxa (2029) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
O diabo, segundo o filme, só representa o profano porque o sagrado é a subserviência prostrada ao ridículo da escravidão humana.

A Bruxa (2028) A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
A batalha interna é levada ao lado de fora, e o bem e o mal, aos olhos de um roteiro elaborado, são, na verdade, uma dicotomia a ser desconstruída: você é salva (o) enquanto for escrava (o) de limitações que lhe impõem. A perdição é ir além. Assinar no livro do demônio não é aceitar um novo mestre, mas é como ser seguidor (a) de um novo evangelho: o da libertação intelectual, sexual e feminina.

A Bruxa (2035)  A alegoria do satânico Conhecimento, Sexualidade e Libertação Feminina (sem spoilers!)
E é da contravenção que as bruxas são feitas.


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Escrito por Equipe Proibido Ler

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