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Neuromancer | O princípio e o alvorecer do cyberpunk

Publicado em 1984 pelo canadense William F. Gibson, Neuromancer é, além de muitas outras coisas, o primeiro volume da celebradíssima Trilogia de Sprawl. O livro é a incorporação e construção do que Gibson havia experimentado nos contos “Johnny Mnemonic” (1981) e “Burning Chrome” (1982), ambos publicados pela revista Omni na época.

Neuromancer não só é o nascimento de fato do cyberpunk, mas também a pedra fundamental em grande parte das produções artísticas e culturais que viriam a partir dele e se relacionassem ao tema. Quaisquer assuntos relacionados à contracultura política, a desconstrução social e, principalmente, o mundo cibernético, desde animes (Ghost in the Shell), filmes (Matrix, Quero Ser John Malkovich, etc), e até mesmo jogos de RPG (Shadowrun).

Como toda boa obra de sci-fi, o livro de Gibson desconstrói padrões sociais e relaciona temas especulativos e de margem científica com problemáticas e desdobramentos humanos (na maioria das vezes de forma atemporal). Neuromancer é uma grande aventura de ritmo intenso, até mesmo nos momentos mais tranquilos, e não se limita às estruturas simples. A ação acontece sempre em diversas esferas e sempre ao mesmo tempo – por mais que não tenhamos visão universal da situação.

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A história não tem construção lenta e gradativa, nem tem um sentido didático de parar e explicar cada detalhe. Assim como em seu mundo, o livro nos joga dentro do fluxo de dados de movimentação acelerada, e cada uma das informações é intuitiva. Todos os dados estão diante de nós a todo momento – e quando há algo mais complicado (vocabulário muito específico, por exemplo) temos um glossário como anexo de apoio.

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Somos apresentados a Henry Dorsett Case, ou simplesmente Case, um ex-cowboy (hackers que conseguem acessar a Matrix a partir do próprio cérebro) “aposentado” após tentar roubar dos próprios patrões, que lhe injetaram uma neurotoxina que lhe impedia de acessar a rede, sobrevive a partir de trabalhos escusos como criminoso barato em Chiba City, no Japão em um futuro distópico. Case divide (leia-se como: torra tudo) seus gastos entre drogas e a tentativa de resgatar a antiga forma de seu cérebro através das clínicas do mercado negro.

O ex-hacker é contatado por Molly, uma garota com implantes metálicos semelhantes a garras retráteis debaixo das unhas e lentes de realidade aumentada, e através dela conhece Artmitage, um misterioso homem que lhe paga a cirurgia de reparação em troca de um serviço de roubo dentro da Matrix.

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Arte por PHATandy (http://phatandy.deviantart.com)

A partir desse ponto, Molly e Case se aproximam e tentam buscar informações a respeito do contratante, a respeito de quem os dois não sabem de nada. Ambos são contratados nessa missão e conforme avançam na história, são apresentados a novos membros da equipe, que supostamente lhes auxiliarão em seu objetivo.

Os personagens são extremamente bem construídos, e suas características e movimentações, às vezes não descritas objetivamente, nos são apresentadas a partir da maneira com que interagem com o mundo (seja a Matrix ou o mundo real), uns com os outros e da forma que realizam suas ações. Ninguém dentro do mundo de Gibson é um herói. Todos têm objetivos próprios e cada um segue sua própria filosofia baseada na sobrevivência – inclusive as inteligências artificiais.

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Ele é um livro rápido e que demanda a quem o leia atenção constante e dedicação. O fluxo de informações e a riqueza dos detalhes vão confundir caso você pare e decida retomá-lo alguns dias depois. E essa, sem dúvidas, foi uma decisão importante no funcionamento da história e na maneira como ela foi contada, afinal, o mundo de Neuromancer é rápido.

A edição que tenho em mãos é a do box da Trilogia Sprawl, da editora Aleph, relançada recentemente a partir de um excelente trabalho de re-tradução e reedição. A editora foi a primeira a publicar Neuromancer no Brasil, em 1991, e nos traz no aniversário da obra o resultado de seu empenho em levar a ficção científica para o público brasileiro (dentre outros gêneros e subgêneros).

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A tradução, refeita e cuidadosamente analisada e revisada, é sem dúvidas um dos pontos altos do livro. Quando da necessidade de se manter algum termo na língua original, assim foi feito, e quando a tradução e adaptação (realizadas com maestria, devo dizer) foram feitas, as mesmas seguem o significado, clima e linha idênticas as da obra em inglês. Não há, por exemplo, traduções ou manutenções de nomes que soariam como ridículos. Decisões foram muitíssimo bem tomadas nesse quesito.

O glossário ao final, extremamente necessário, ajuda bastante em palavras e termos muito específicos que, conforme falei, nos são apresentados sem maiores explicações a fim de deliberadamente passar a sensação de grande fluxo de informação. Esse anexo ajuda principalmente leitores ainda não habituados com o universo cyberpunk e/ou com a obra em questão – ainda tendo em vista referências culturais específicas, como a Djellaba ser uma túnica comum dos países que seguem majoritariamente a religião islâmica. Uma adição interessante, talvez, seria uma discreta nota de rodapé na primeira das menções, como no modelo de alguns livros clássicos, o que se encaixaria no “modelo” do livro como um ar de “realidade aumentada” (ou informações obtidas a partir da Matrix – uma espécie de metalinguagem “externa”, quem sabe).

A diagramação e a escolha da tipografia funcionam muito bem. Um dos graves problemas da edição do box, na capa de “papel”, assim por dizer, é exatamente a arte da capa que desvaloriza seu conteúdo.

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A arte em Neuromancer, por exemplo, nos apresenta Molly com suas lentes opacas, porém, o estilo dos traços e cores não só não funciona bem, como não harmoniza com a temática – o que temos em contraponto com a exuberante arte da versão especial que não necessariamente teria de ser trazida à versão do box, claro, mas poderia inspirar algo algo mais profundo e adulto (tendo em vista uma obra que traz temas como vício e uso deliberado de drogas, violência, etc).

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Edição especial

Neuromancer, traduzida de forma maestral por Fábio Fernandes, republicada 30 anos depois de seu lançamento, nos traz uma espécie de noir extremamente decadente numa distopia futurística e com conceitos interessantíssimos.

Vencedora da chamada tríplice coroa da premiação das obras de sci-fi, a Hugo, Nebula e Philip K. Dick, a obra nos mergulha no nascimento (e ao mesmo tempo alvorecer) de um subgênero incrível.


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Escrito por Equipe Proibido Ler

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