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Jamais haverá um desenho como ‘Os Cavaleiros do Zodíaco’

Um relato pessoal sobre como anime foi marcante e se perpetua no País há 28 anos

Sempre fui fã da Rede Manchete e naquele tempo não tinha como não ser. Eu não era o tipo de criança que trocava Jaspion por Pica-Pau, eu preferia ver tudo explodindo a dar risada de um pássaro furando uma árvore.

Naquela época eu acordava cedo e passava as manhãs assistindo tokusatsu. Changeman, Flashman, Jaspion, Jiban, Jiraiya, Black Kamen Rider, Cyber Cops, Winspector e aoutros que eram exibidos na época. O tempo passou…

Ai um dia eu acordei para assistir minhas séries preferidas e surgiu um desenho muito diferente (naquela época nós chamávamos de desenho e não de anime). Esse desenho tinha alguns guerreiros, porrada, muito sangue, mitologia grega, signos e golpes alucinantes.

Aquilo fugia do comum, não tinha nada a ver com o que eu estava acostumado a assistir e acabei virei fã na hora. Eu garanto, realmente não tinha como não ser. Naquela época, eu costumava sair muito para rua para brincar com meus amigos e todos só falavam de “Os Cavaleiros do Zodíaco”.

Os Cavaleiros do Zodíaco | 20 anos de um legado que eu jamais esquecerei
Os Cavaleiros do Zodíaco

Logo, Seiya, Shun, Shiryu, Ikki e Hyoga viraram meus melhores amigos. Eu tinha um encontro marcado com eles duas vezes ao dia, antes de ir pra escola e depois de chegar da escola. Cinco minutos antes de bater o sinal eu já estava com todo meu material pronto esperando a aula acabar pra sair correndo diretamente pra casa.

Tudo isso para chegar a tempo de ver meus brothers. Independentemente de ser uma reprise, eu não me importava, só queria estar de frente pra a TV assistindo aqueles caras detonarem tudo e foi assim durante anos.

Eduardo Miranda em sua sala na Rede Manchete, na época em que convenceu a Emissora a exibir Cavaleiros do Zodíaco
Eduardo Miranda em sua sala na Rede Manchete

Eu já amava a Rede Manchete e depois que conheci “Os Cavaleiros do Zodíaco”, passei a amar um pouco mais. Se não fosse a Rede Manchete, talvez o desenho demorasse ainda mais estrear aqui.

“Os Cavaleiros do Zodíaco” foi recusado por outras emissoras de TV na época, Globo, Record e SBT disseram não ao desenho por acharem muito violento. Mas em 1994, Eduardo Miranda, o então chefe da divisão de cinema da Manchete, foi convocado para uma reunião com o diretor de programação da emissora e representantes da distribuidora de brinquedos Samtoy.

Essa empresa ofereceu uma permuta pro Miranda algo como: você nos cede espaços para exibição de propagandas dos brinquedos relacionados ao desenho, e nós fornecemos gratuitamente os primeiros 52 episódios de um desenho japonês que havia feito muito sucesso no Japão em meados dos anos 80 e estava ganhando muitos fãs na Europa e America Latina. Aceita?

Como eu disse, outras emissoras tinham rejeitado o desenho por conta de sua violência. Existia uma pressão muito grande por parte do comercial da Manchete e da Samtoy para que Miranda aprovasse o desenho.

Ele decidiu que antes de bater o martelo, iria assistir ao anime para saber se era tudo isso que estavam falando. A Rede Manchete sofria à época com baixos índices de audiência e não tinham dinheiro para renovar sua programação. Por isso a pressão em aceitar essa oferta, que na boa, era uma mão na roda para eles.

Três dias depois dessa reunião, a Samtoy enviou alguns capítulos pro Miranda assistir e dar seu palpite. Depois de ter assistido, o chefão da divisão de cinema da Rede Manchete chegou a conclusão que os garotinhos e garotinhas iriam pirar com os “bronze boys”

Foi então que ele deu sinal positivo e, em 1º de setembro de 1994, finalmente chegava “as lendas de uma nova era”. O que viria a ser o desenho mais foda de todos os tempos, estreava numa emissora brasileira de televisão.

+ Assista no vídeo abaixo a abertura “clássica” de “Os Cavaleiros do Zodíaco”.

Eu agradeço imensamente o que esse cara fez com a infância de muitos como eu e como ele contribuiu para que a cultura pop japonesa se tornasse o que é hoje no Brasil.

Depois que “Os Cavaleiros do Zodíaco” estourou no País, começaram a sair uma série de produtos licenciados e não licenciados, todo mundo queria tirar uma casquinha da febre arrasadora.

A Samtoy esperava vender até o Natal de 1994, apenas 90 mil unidades de bonecos dos “Cavaleiros do Zodíaco”, mas acabaram vendendo 400 mil. No ano seguinte foi melhor ainda. Juntando o dia das crianças e o Natal de 1995, eles venderam mais de 1 milhão de bonecos. Foram mais de 50 milhões de reais em faturamento para a Samtoy.

Bonecos dos Cavaleiros do Zodíaco lançados nos anos 90

Em 1995 eu ganhei um boneco do meu pai. Eu queria o Mu de Aries, pois esse cara representava meu signo. Mas sabe como são nossos pais, né? Eles não entendiam muito dessas coisas e acabou me dando um Aldebaran de Touro.

+ Assista no vídeo abaixo as propagandas dos bonecos que hoje são chamados de “vintage” (algo clássico, antigo e de excelente qualidade). 

Naquele tempo surgiu uma revista que parecia a Contigo! dos “Cavaleiros do Zodíaco” chamada Herói e custava meros R$1,95. Eu deixava de comer na cantina da escola para comprar todo mês essa revista. Era puro spoiler do desenho e eu ficava sabendo de tudo que iria acontecer nele e nem sofria por isso como muita gente sofre hoje. Em 2014, na primeira edição da CCXP, Forastieri e seu sócio André Martins, relançaram a primeira edição da Revista Herói. Aqui você encontra uma entrevista que fiz na época com o André sobre o relançamento desta edição.

Na esquerda é a edição antiga e na direita a edição de 2014

Não sei como eles tinham acesso às informações, mas eram primordiais para todos os fãs do desenho. Você pode encontrar mais informações sobre ela no maior portal sobre Cavaleiros do Zodíaco no Brasil (falo um pouco dele a seguir). A revista fez tanto sucesso que ganhou um livro contando toda a sua história. Depois da revista, chegaram as Balas Zung com as famosas figurinhas dos “Cavaleiros do Zodíaco”.

Sobre elas, eu fiz essa matéria: Relembre a época das Balas Zung e os famosos pôsteres álbuns dos Cavaleiros do Zodíaco

Eles lançaram coisas para colorir, mini-posteres, cadernos, mochilas e aqueles álbuns de figurinhas pirata que davam vários prêmios, mas que você nunca ganhava a bicicleta nem o videogame. Sobre esses álbuns eu me lembro de uma história curiosa:

Os Cavaleiros do Zodíaco | 20 anos de um legado que eu jamais esquecerei
Nesses álbuns você tinha a chance de ganhar tudo, menos o videogame e a bicicleta

Certo dia, eu com um desses na mão, estava indo até um bazar comprar algumas figurinhas para ele e durante o trajeto, uma senhora me parou e disse para eu jogar esse álbum fora, pois era coisa do demônio. Eu fiquei bem puto na hora! Eu não conseguia imaginar como os meus amigos eram obras do demônio.

Minha vontade foi de congelar a mulher com um pó de diamante, mas tudo que eu fiz foi sorrir pra senhora e dizer tudo bem e assim ela parou de falar, continuei andando e comprei as figurinhas. “Se o inimigo é demoníaco, sua luta é mortal”, se a senhora que me abordou tivesse ao menos assistido ao desenho, saberia disso e jamais teria me falado essas coisas.

Os Cavaleiros do Zodíaco | 20 anos de um legado que eu jamais esquecerei
Eu decorei todas as músicas, até o Rap do Zodíaco a mais difícil

Outra coisa que eu cheguei a ter foi a fita k7 com a trilha sonora do desenho e com a famosa abertura cantada por Larissa e William. Isso era um sucesso, não cheguei a ter o CD, pois era muito caro na época. Eu e meus amigos nos juntávamos para escutar todas as musicas e decorar tudo – o RAP do Zodíaco era a música mais difícil.

O sucesso dessa dupla era tão grande, que eles foram convidados por vários programas de outras emissoras para cantar a abertura do desenho, Xuxa Hits, Bom dia & Cia e Hebe Camargo era alguns deles. Como eu disse, todo mundo queria tirar uma casquinha do sucesso que o desenho fazia no Brasil. A Manchete deu um trabalhão naquela época.

Tinha também os filmes como: “Saint Saiya: A Grande Batalha dos Deuses” (1988), “Saint Seiya: A Lenda dos Defensores de Atena (1988)”, mais conhecido como “A Batalha de Abel”, “Saint Seiya: O Santo Guerreiro” (1987) e “Saint Saiya: Os Guerreiros do Armagedon” (1989). Apesar de terem sido lançados antes mesmo da estreia de CDZ no Brasil, a “Batalha de Abel” foi o único que passou no cinema por aqui. Porém, todos os outros filmes só chegaram em VHS. Uma curiosidade: a maioria das figurinhas das balas Zung eram cenas do filme do Abel.

Depois que a Saga de Poseidon acabou e a febre começou a passar, chegaram outros desenhos parecidos como “Shurato” e “Samurai Warriors”, ambos os direitos foram comprados motivados pelo efeito da cauda longa. Nós passamos a viver de reprises e desses novos desenhos que a Manchete exibia até que um dia ela faliu e tudo acabou.

Os Cavaleiros do Zodíaco | 20 anos de um legado que eu jamais esquecerei
Cinco cavaleiros de bronze

“Os Cavaleiros do Zodíaco” ficou no ar entre 1º de setembro de 1994 a 12 de setembro de 1997. Ao todo, foram exibidos 114 episódios. A partir de 2003, foi a vez da Cartoon Network reprisar o desenho, seguido da Band em 2004. Ambos em uma versão remasterizada e redublada.

Nesse hiato entre 1997 e 2003 nós, os fãs, tínhamos que se virar para achar conteúdo sobre os defensores de Atena. A internet naquele tempo estava se rastejando por aqui, poucos tinham acesso e se tinha era em um modo muito arcaico chamado de internet discada, ocupava a linha de telefone e tudo mais.

Pra ver a Saga de Hades, por exemplo, eu tive que pedir emprestado um CD com os primeiros 13 capítulos e assisti no meu computador numa qualidade horrível, mas assisti. Depois para saber o final da saga de Hades, eu pedi emprestado os mangás para um outro amigo e pude me antecipar como já fazia há anos. Para saber das novidades eu acessava o CavZodiaco.com.brsou super fã do trabalho desses caras desde aquela época.

Em 2003, eu e um grande amigo meu de infância, pedíamos para um amigo em comum que tinha TV à cabo gravar os episódios numa VHS de seis horas. Dessa forma, a gente matava a saudade da saga do Santuário, Asgard e Poseidon. Não tem como eu falar de Cavaleiros sem lembrar desse amigo. Vivemos muitas coisas juntos por causa do anime.

Com o tempo foram surgindo outras coisas como o final da Saga de Hades, Lost Canvas, CDZ Ômega, filmes como “Os Cavaleiros do Zodíaco: Prólogo do Céu” (2004), “Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda do Santuário” (2014) e a série animada da Netflix “Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco”. Os jogos para PS2, PS3, PS4 e celular, além de centenas de novos bonequinhos e várias convenções com palestras dos dubladores do desenho, armaduras em tamanho real, etc.

26 anos depois, minha paixão pelos “Cavaleiros do Zodíaco” continua a mesma de quando eu conheci esses caras pela primeira vez. Eu consegui resgatar objetos como a enciclopédia publicada pela editora Conrad em 2004 e o LP com a trilha sonora cantada por Larissa e William.  Também fiz uma tatuagem com o cavaleiro de bronze e de ouro que eu mais amo no mundo.

Torço para que mais pessoas conheçam os “Cavaleiros do Zodíaco” e que se apaixone por eles como eu me apaixonei.

“Os Cavaleiros do Zodíaco” está disponível no Crunchyroll.

Escrito por Bruno Fonseca

Fundador e editor-chefe do PL. Jornalista apaixonado por quadrinhos, filmes, games e séries.

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