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Camilo Solano: “os quadrinhos movem a minha vida”

Camilo Solano do alto dos seus trinta anos, fala como senhor experiente. Dono de fala com sotaque bastante carregado, esse artista do interior de São Paulo empilha indicações e prêmios do HQ Mix e Troféu Jabuti. Isso tudo, fruto de um trabalho de altíssima qualidade e com uma voz que se torna cada vez mais forte dentro dos quadrinhos nacionais.

Ele começou a trabalhar desde jovem com quadrinhos, se destacou e chamou atenção de grandes autores internacionais, como Robert Crumb, que escreveu o prefácio do seu gibi Desengano. Seu trabalho autobiográfico faz qualquer pessoa se solidarizar com os acontecimentos e querer ser seu amigo. Além desse destaque, o autor também já publicou “Inspiração”, “Deixa entrar Sol nesse porão”, “Onde eu tavo?”, “Captar, “Solzinho” e “Desengano”, “Badida”, em parceria com o irmão Aldo Solano, e “Semilunar”. Tudo pela Balão Editorial e seu mais novo trabalho se chama “Fio de Vento”, lançado pela Editora Veneta.

Como todo artista que trabalha com quadrinhos, Solano sabe das dificuldades e entende como o Brasil não é o melhor lugar para tentar se sustentar só com publicações de gibis. Ele não quer que os leitores sintam pena por ter sofrido para publicar a obra. “O processo por trás do gibi não importa pro leitor” é o que artista comenta na entrevista.

O autor se diverte a falar da sua relação com seu pai “Meu pai é a maior influência. É quem eu queria ser. E, portanto, o mais difícil de agradar. Acho que ele nunca gostou completamente de uma história minha” e brinca “Um dia ele vai gostar de alguma”.

Camilo é um jovem talento e explica como os “quadrinhos movem a sua vida” na entrevista exclusiva que deu para o Proibido Ler.

Como os quadrinhos mudaram sua vida e quando você se tocou que isso era o que queria?

Cara, os quadrinhos regem tudo da minha vida… Pois quando me dei conta de que estava desenhando e contando histórias e essas histórias estavam “conversando” com as pessoas, eu me encontrei nas páginas dos quadrinhos… Agora, pensar quando me toquei que era isso que queria para minha vida, eu diria que foi na infância. Eu sempre soube que queria desenhar para viver. E não é apenas “queria”, realmente eu não consigo fazer outra coisa que não seja relacionado a desenhar. É uma coisa muito enraizada em mim. Quando eu e meu irmão éramos criança e perguntavam para minha mãe qual era a “inclinação de carreira” ou algo assim, ela sempre dizia: “Eles gostam de fazer uns desenhinhos! Acho que vão fazer isso.” Então era isso. Meio sem saber, ela já sabia o que eu faria.

Você como um cara do interior de São Paulo, encontrou conexão com sua terra natal, vida cotidiana e HQs. Como você achou um caminho de trabalho misturando o cotidiano e o lúdico?

Quando era pequeno, tinha momentos em que tentava desenhar os X-Men, Homem Aranha e, claro, ficava horrível. Sempre tive muita dificuldade em copiar. Então eu desenhava meus pais, meu irmão e nossa casa, desenhava as brincadeiras que a gente fazia e meu dia quando criança. Mas sempre pensava que isso era o momento de relaxar no desenho. Que logo eu teria que voltar e tentar desenhar aqueles heróis. E segui crescendo e desenhando. Até que quando tinha 12 ou 13 anos eu conheci o trabalho do Robert Crumb. E quando vi que ele contava as histórias do cotidiano dele nos quadrinhos, eu meio que encontrei o que eu passei a vida toda procurando. Nesse momento, minha cabeça explodiu de alegria.

Vejo você comentando pouco sobre gibis de heróis. Você gosta? 

Olha só, sem querer respondi mais ou menos na pergunta anterior. Quando criança eu era maluco pelos X-Men e pelo Homem Aranha. Cresci vendo muita televisão e esses desenhos passavam na “TV Colosso”, na qual tenho uma memória afetiva muito grande. Cachorros e desenhos. É o programa perfeito! Com o tempo, eu fui deixando de gostar tanto assim desses personagens e fui focando mais nas histórias que gostava. E via que 90% não eram mais os heróis que me agradavam. Há pouco tempo, um amigo me deu “Batman Noite de Trevas” do Paul Dini e Eduardo Risso, sabe? Porra, eu achei aquilo muito bom!

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Camilo Solano: "os quadrinhos movem a minha vida"
Desengano

“Desengano” é bastante biográfico, você fala de algo especifico na sua vida e vai por um caminho de descoberta amorosa. Por incrível que pareça esse assunto parece ser recorrente em alguns autores, porém sempre lembrando como é difícil ser quadrinista no Brasil. Você acha que é uma fase ou essa glamourização do sofrimento de criar HQs é algo que precisa ser debatido?

Sei lá, viu. Reclamar disso é sempre meio chato. Isso quando chega no ponto de reclamar por reclamar e não produzir tanto quanto se reclama. Eu acho que a gente deve lutar para as coisas melhorarem, mas eu tenho evitado ficar reclamando muito senão fica uma coisa muito de coitadinho, sabe? Não gosto muito da visão de alguém ter que comprar um gibi por ter dó de como o quadrinista sofreu pra produzir aquilo que está vendendo.  O processo por trás do gibi não importa pro leitor. Ele tem que ler uma história, gostar e continuar consumindo esse material se for do agrado dele. Eu vejo a cena independente muito forte e dando um jeito para todos os empecilhos que aparecem no meio do caminho. Dá muito orgulho ver a galera se virando como pode para produzir seu material autoral. Claro que melhorar é sempre bom, sempre necessário e acho que algumas coisas só funcionam reclamando, mas não é desse tipo de reclamação que acho que você está se referindo.

Semilunar

Recentemente você lançou o seu trabalho autoral chamado “Semilunar”, que explora seu lado mais musical. Essa química de quadrinhos e música sempre dá certo. Como foi consegue organizar um gibi musical?

Olha, é uma eterna experimentação. Em “Semilunar” eu quis juntar meus dois amores em uma coisa só. Quadrinhos e Música. Pois desde muito novo toco violão e faço minhas músicas desde os 12 anos de idade. Desenho e música sempre caminharam junto na minha vida. Meu pai é músico e minha mãe canta Caetano Veloso para mim desde que nasci. Eu queria prestar uma homenagem à música brasileira. Mas também não fiquei pirando em como quebrar as barreiras dos quadrinhos e mesclar com música e fazer um gibi que você abre a página e toca uma musiquinha. (risos). Lembra desses livros infantis que você abria e tocava uma música? Nunca quis fazer isso. A musicalidade eu tento trazer na maneira do texto encaixar com o desenho. Dando uma suavidade sonora de palavras e uma suavidade visual com as páginas. Daí, além disso, também consegui produzir com o Caio Bucaretchi, animações baseadas no quadrinho que você pode, daí sim, ver a personagem cantando as músicas que ela compunha na história. Mas isso é animação. É uma complementação do quadrinho. Não é o quadrinho.

Apesar da sua arte bastante identificável, seu texto é algo que se torna a cereja do bolo do seu gibi. Quando você pensa no texto, o que é necessário para incorporar seus personagens?

Essa questão do texto se dá muito pela observação. Como autor, sou primeiro um observador da vida. E eu amo isso. De conhecer pessoas, de descobrir histórias. E essas vozes das personagens nascem das observações que fico fazendo incansavelmente a todo momento. Fico o tempo todo olhando para tudo e todos e decodificando isso em quadrinhos. (risos). Meio maluco, né?

Qual o papel da sua família em sua produção? Você já contou uma vez uma história sobre como foi sua primeira visita ao Robert Crumb e seu irmão Aldo também é um parceiro. Quanto desses gibis são feitos para eles?

Meu irmão é meu grande parceiro nos quadrinhos. Nossa diferença de idade é muito pequena, então nós crescemos como dois amigos muito unidos e apaixonados por desenho. É curioso ver como nós dois temos linhas narrativas semelhantes, mas em alguns pontos se destoam completamente. Temos influência um do outro nos nossos trabalhos. Minha mãe sempre apoiou tudo. Ela que me ajudou a alcançar todos os meus sonhos, sem questionar. Meu pai é a maior influência. É quem eu queria ser. E portanto, o mais difícil de agradar. Acho que ele nunca gostou completamente de uma história minha. Mas eu até acho divertido isso. Um dia ele vai gostar de alguma.  A Larissa é minha companheira de vida há onze anos e sempre me apoiou e me ajudou em algumas decisões. Mas é meio difícil de agradar também.

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Seus textos falam tanto sobre amizades, pessoas, relações, para um homem de 30 anos, você escreve como um senhor de 60 por conta de sua sabedoria. Você se sente um tiozão do churrasco?

(Risos) Obrigado pelo elogio. Tiozão do Churrasco. Acho que cheguei lá! (Risos) Não, não acho que já sou o tiozão do churrasco. E essa sabedoria que você menciona, eu também desacredito um pouco. Eu gosto de contar histórias e de ouvir histórias. Eu tento entender ao observar e tento transpor o que julgo valer a pena botar no papel.

Na sua opinião o que falta para os quadrinhos nacionais subirem de nível?

Acho que o que falta já está sendo aprimorado. Que é solidificação do mercado como um todo. Acho que temos que manter o nível de produção alta e com tempo vai melhorando a qualidade das histórias, e vamos aumentando a rede de pessoas que vão tendo contato com os quadrinhos nacionais. É preciso que mais pessoas conheçam nossa produção.

No cenário político delicado do Brasil, como resistir, lutar e se manter forte produzindo quando a todo momento lemos que a arte está sendo desvalorizada?

Vivemos um momento muito difícil mesmo. É dolorido toda hora ver uma notícia aterradora do Presidente ou de outros governantes. Acho que temos que gritar. Seguir na luta. Resistir a essa lama de bosta que o país está enfrentando. Nesse momento sim, se deve reclamar e muito! Vamos nos defender e defender as minorias que são as que mais sentem esse governo tenebroso.
E é bom ao menos saber que se está do lado certo da história. E cedo ou tarde os eleitores do atual Presidente verão que erraram e que dá para mudar de opinião. Espero que não seja tarde demais.

“Fio de Vento” é seu mais novo trabalho, como nasceu a ideia dessa HQ?

A primeiríssima ideia surgiu a partir do convite do Rogério de Campos em fazer um quadrinho com a editora Veneta. O Rogério sempre foi um cara que admirei muito. É uma pessoa que “está” comigo desde muito cedo. Primeiro na revista Herói, depois em Dragon Ball e depois nos livros da Conrad. Ele é meio “culpado” por muita coisa que me influenciou desde pequeno. Então eu tinha essa responsabilidade de fazer um livro que ele gostaria de ler. Daí comecei a pensar em histórias que eu queria contar e como poderia linkar elas com o conceito de histórias que vão de acordo com o vento e mudam de direção de maneira repentina. Assim nasceu.

Página de “Fio do Vento”

Qual trabalho você adorou produzir? Qual é o mais Camilo Solano? E o que você não sente mais vontade de ler?

Meu trabalho favorito é um que produzi enquanto estava no ônibus indo para o trabalho e tentando me livrar da tendinite. Para relaxar um pouco o braço, comecei a desenhar sem esboço a lápis, direto na caneta em um sketchbook bem pequeno. Sem saber quantas páginas dariam, fui desenhando, quase brincando e no final da viagem de ônibus tinha nascido “Solzinho”. Minha história mais curta mas a minha favorita. Não tenho uma história que não sinto mais vontade de ler. Eu tenho um carinho muito especial por todas.

Veja no vídeo abaixo como o autor finaliza uma página de HQ

Camilo, você é visto pelo público consumidor de quadrinhos como um dos nomes da nova geração com potencial para escrever seu nome na história. Como lidar com essa pressão?

Eu não sabia que era visto assim até agora, então você acabou de instaurar uma pressão gigantesca na minha cabeça! Obrigado, Pablo (risos). Falando sério, fico feliz em saber disso. A pressão que o público possa ter em relação a mim, eu tenho certeza que não é maior que a pressão que eu tenho comigo mesmo. Eu quero a cada livro contar uma história 100 vezes melhor que a anterior. Quero que o desenho esteja 1000 vezes melhor que o anterior. Sou uma pessoa obcecada por quadrinhos e canalizando isso de uma maneira positiva, acho que vai dar tudo certo. Espero, né? Eu só quero sobreviver contando histórias em quadrinhos. Se isso me levar para um lugar onde vou escrever meu nome no mural da história do universo dos gibis… (risos)… Vai ser legal.

Normalmente quando pergunto para alguns artistas o que eles têm lido e o que indicariam para os leitores, eles falam que passam tanto tempo trabalhando que não leem mais gibis. Você ainda consegue se divertir lendo os gibizinhos? Tem algum que chamou sua atenção recentemente?

Estou constantemente com um gibi do meu lado. Muita coisa velha. Gosto muito dos quadrinhos da EC Comics. O último que li foi “Cabeça de Vento” do Xavier Ramos e da Frida Ramos. Eles já lançaram faz um tempo, mas eu demorei para ler. É um fanzine que provavelmente você encontra na loja Ugra, em São Paulo. São dois irmãos que escrevem muito bem. Me divirto demais com as sacadas deles. Tem muito a linha do tipo de história que faço, então a alegria bate duas vezes mais forte. Mas se me permite, ano passado eu li umas coisas muito legais que peguei em eventos, como os trabalhos do Ed Bortolotte, da Tietbo, do Gleisson Cipriano. Peguei a “Dama” do Martinelli que nunca tinha lido e achei foda também. Pô, o “Virgem depois dos 30” é muito doido. Ah… tem muita coisa.

Escrito por Pablo Sarmento

Oi! Eu sou Pablo Sarmento, inventei de escrevi sobre gibis e acabei me tornando meu pior inimigo dentro de um multiverso de versões de eu(s) mesmo(s).

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