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Mangá do Dia | Virgem Depois dos 30

Mangá-documentário traz um retrato nu e cru de um problema real e atual do Japão

Eu nunca havia lido nada parecido com a obra de Atsuhiko Nakamura. Adaptada pelo mangaká Bargain Sakuraichi, “Virgem Depois dos 30″ é um mangá-documentário que expõe o problema dos japoneses virgens de meia-idade. Esse é o primeiro título do gênero de não ficção que eu leio e posso dizer que foi difícil digerir toda a história que ele apresenta.

“Virgem Depois dos 30” traz à tona algo improvável, mas absolutamente necessário. Um retrato nu e cru, sem maquiagem, de um problema real dos dias de hoje. No Japão, um em cada quatro homens solteiros acima dos trinta anos de idade nunca teve relações sexuais, o que representa mais de dois milhões de virgens! Neste mangá-documentário, você vai conhecer de perto a vida de oito deles. Vidas muito reais de homens excluídos por uma sociedade individualista e egocêntrica, que tentam lidar com seus sofrimentos e desejos, com a esperança e a desilusão, com o orgulho e a vergonha, com a humilhação pública!

Homens que são, ao mesmo tempo, vítimas e responsáveis pela sua condição de virgens de meia-idade, buscando a aceitação dos outros sem que eles próprios se aceitem como são. Este é o polêmico documentário do autor best-seller Atsuhiko Nakamura, que revelou o gravíssimo problema social por trás dos virgens de meia-idade existentes no Japão. O livro foi adaptado para o formato mangá por Bargain Sakuraichi, mangaká cultuado no meio artístico por seu traço meticuloso e realista e publicado no País pela editora Pipoca & Nanquim.

Após conhecer um pouco da história por meio da sinopse oficial descrita acima, você vai mergulhar em um mundo totalmente diferente e digamos deprimente. Não é uma leitura fácil, e não falo isso por ser difícil sua compreensão, mas por ser uma leitura onde é preciso ter um estômago forte. É necessário também alertar sobre alguns gatilhos como de automutilação e suicídio, por exemplo.

Atsuhiko Nakamura começou a lidar com os virgens de meia-idade quando foi trabalhar e um centro de cuidadoria de idosos logo após um passaralho por causa da crise no mercado editorial japonês. Foi neste lugar que ele conviveu por seis anos com um dos personagens mais graves do mangá, o Sakaguchi. Todos os nomes atribuídos aos personagens desta obra são fictícios e o autor optou por fazer isso para preservar a identidade deles.

Sakaguchi tem 44 anos e ainda é virgem, tem sérias dificuldades de manter qualquer tipo de relacionamento com a sociedade e o fato de não conseguir se aproximar das mulheres é apenas um reflexo de todo o problema comportamental que carrega. Ele ainda mora com a mãe, não é inteligente e se gaba por ter conseguido um certificado de nível 2 para cuidar de idosos. Segundo o autor, esse certificado pode ser obtido por qualquer pessoa no Japão, basta fazer um curso e a pessoa já está apta a cuidar dos mais velhos.

Nessa função ele era escroto com os funcionários do centro de cuidadoria, atrapalhava o serviço e ainda por cima era o motivo principal da demissão de quem tentava cuidar dos idosos no mesmo centro. Ele nunca se achava o culpado por tudo que fazia ou pelas consequências que causava. A culpa era sempre dos outros e o erro nunca era dele. Essa realidade paralela também é responsável pelo fato de ser virgem até hoje e nunca ter se relacionado com ninguém. Sakaguchi acredita que um dia vai encontrar uma mulher que goste dele do jeito que ele é. Ou seja, o fato de ter chegado nesse tipo de degradação e não falo aqui da virgindade, mas sim do estado em que ele é retratado por Bargain, não tem relação com seu comportamento. Mas sim um problema que vem de fora e não de dentro.

Nakamura deixa claro alguns pontos semelhantes em todos os virgens de meia-idade retratado por ele. A idealização da mulher e o julgamento de que ser virgem é sinal de pureza e que eles estão à margem da sociedade ou que são superiores por isso, são os mais comuns.

A história de Sakaguchi é apenas a primeira e soco na boca do estômago é forte. Mas o que vem depois é um pouco pior. Aqui você vai encontrar o caso do virgem de meia-idade com educação superior e habitante do mundo da fantasia, o virgem da extrema direita perseguidor de esquerdistas na internet, o ator pornô virgem que queria ser popular e não conseguiu e acabou se matando; o que se relacionava com homens por conta do medo que sentia das mulheres, os otakus que são obcecados por Idols (geralmente uma celebridade de K-pop) e que chegam a comprar 300 CDs de uma determinada banda formada por 48 meninas só pra ter a chance de segurar a mão delas por mais de 10 segundos em sessões exclusivas para fãs, e os que vivem no mundo dos animes para fugir da realidade. Além de conhecer o reduto dos virgens depois dos 30 anos, e um caso em específico onde um cara que só conseguia fazer sexo pagando e nunca se relacionou com outras mulheres sem ser dentro de um ambiente de prostituição.

Os perfis são marcantes e a cada capítulo finalizado, há um apêndice onde Nakamura explica e contextualiza melhor a história do entrevistado. Isso facilita ainda mais a compreensão de cada um dos casos. Em todo o relato feito por ele e ilustrado por Bargain, há em sua maioria apenas a exposição do problema e não há qualquer comprometimento em mostrar uma solução. Justamente para mostrar a realidade dessas pessoas e escancarar um problema social do Japão. O autor apresenta estudos e argumentos embasados em dados para demonstrar o tamanho do problema e o como isso impacta na sociedade. A todo momento você fica se perguntando que mundo é esse? Que pessoas são essas? E o que você sente em boa parte da leitura pode não ser traduzido em palavras.

A arte de Bargain Sakuraichi é realista e escrachada. A maioria dos virgens de meia-idade retratada por ele são asquerosos e estão sempre suando. É justamente para passar o sentimento de repulsa e de incômodo. De todos os personagens deste documentário, apenas dois deles o mangaká usou imagens reais como referência para sua construção. O restante surgiu das vivências dos virgens de meia-idade que ele encontrou nas editoras por onde trabalhou.

“Virgem depois dos 30” não é apenas sobre o fator virgindade mas sobre o desajuste de uma sociedade doente, por pessoas sem escrúpulos e que vivem numa realidade diferente do que pode ser considerado humano. E não falo aqui só sobre a condição de saúde, mas sobre o tratamento que essas pessoas dão a outras e pela liberdade que elas acham que têm em ridicularizar o próximo. O mundo abordado por Nakamura é decadente, deprimente e um tanto distópico.

“Virgem depois dos 30” é um mangá impactante e ótimo pra quem curte quadrinhos de não-ficção. Mas é preciso ter estômago, pois a sua leitura chega a ser perturbadora em alguns momentos. O trabalho de edição e tradução da editora Pipoca & Nanquim está fenomenal e elevou a qualidade da obra.

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Escrito por Bruno Fonseca

Fundador e editor-chefe do PL. Jornalista apaixonado por quadrinhos, filmes, games e séries.

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