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Review – This War of Mine | Um jogo necessário sobre guerra

Calma. Essa ainda não é a review. Ainda. Primeiro preciso conversar com você e propor um exercício tranquilo de compreensão.

Todas as vezes que um jogo de guerra é mencionado lembramos das dinâmicas de ação e aventura, estratégia, e até mesmo da narrativa por trás do game. Seja no envolvimento de grandes nomes, como Steven Spielberg, ou nas novidades de mecânica e abordagem, tanto em títulos antigos e até mesmo novos, o conflito é sempre trazido e encarnado pelo lado do general com visão onisciente e onipresente, ou do incrível soldado com domínio pleno sobre diversas armas, explosivos e métodos de primeiros socorros. Sempre existe um pacote de munição em algum lugar, assim como bandagens mágicas que removem balas e estancam hemorragias internas. E como não ter em mente aquele tiro espetacular enquanto você estava controlando um atirador de elite e, bem, se for como eu, deve pensar, “por que não gravei isso?“.

Bem, gostaria de propor um exercício. O tal exercício que falei. Mas não se preocupe, são tarefas simples. A primeira é: esqueça Battlefield. Esqueça Call of Duty, Homefront, Medal of Honor, Commandos e qualquer outro dos (até saudosos) jogos do gênero. Deixe de lado quaisquer experiências que você já teve com FPS, RTS ou TBS em qualquer game envolvendo conflitos armados, seja no passado, presente e, bem, até mesmo no futuro. A segunda é se livrar de grande parte das experiências cinematográficas e literárias também, dando foco às que seguem a linha já citada anteriormente.

Completando as duas primeiras tarefas, agora vem a parte mais difícil. Ponha-se no lugar de um sobrevivente. Não se engane, não é simples se colocar em uma guerra fora da visão do combatente, do general, do soldado. Toda visão que nos foi dada a respeito da guerra, até que por mais terrível e (aparentemente) realista que seja, raramente vem de outro ponto de vista que não a do herói (e até mesmo do vilão). Os objetivos são aparentemente complicados. Existe uma estratégia a se seguir, uma construção de objetivos pontuais para se chegar a um maior.

A parte complicada é a do sobrevivente, que tem o óbvio e claro objetivo de sobreviver. E aqui gostaria de deixar claro que viver é um luxo para quem sobrevive. Para quem é caçado, invadido, deslocado, violentado, sequestrado. E com esses três parágrafos de exercício de compreensão, bem, agora posso entregar uma review melhor do fantástico This War of Mine.

O game, que se baseia em fatos e relatos reais, coloca-nos desde o princípio em uma situação… peculiar. E propositalmente, claro. Não há instruções, não há tutorial, e o ritmo (supostamente lento no início) segue exatamente o compasso da escalada de um conflito. A arte do jogo, misturando elementos em plataforma (base do cenário), com o chamado falso 3D (em que há apenas impressão de profundidade em mais de duas dimensões) e 3D por si só, traz algo entre o fotográfico estilizado e recortes antigos, além de alguns recursos de desenho bem interessantes claramente baseados em jogos de sobrevivência recentes. Existem riscos estilizados e esboços feitos em carvão e lápis, além dos retoques digitais. Além disso, algo no visual do game me remeteu constantemente a uma referência bastante curiosa: uma apresentação sobre o Genocídio Armênio feita em areia.

A mecânica é relativamente simples. Você procura mantimentos e materiais a todo instante a fim de sobreviver. A sobrevivência não funciona de maneira individual, mas em grupo. Existem os pontos básicos, como alimentação, hidratação e manutenção da temperatura, mas há sempre algo além. Os personagens (cada um controlável de maneira independente, com pontos fortes e fracos) podem (e irão) se ferir enquanto buscam materiais. Haverão ataques – seja de gangues, sobreviventes hostis, soldados (sendo em grupos de batedores, esquadrões inteiros, e até mesmo snipers). Colocando esses pontos de dificuldade iniciais, as necessidades subirão para a fabricação de ferramentas básicas, a obrigação de procurar e manter estoque de remédios (antibióticos, por exemplo), e a vigília constante e estratégica ao se criar barricadas e até mesmo desmantelá-las.

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A sobrevivência pode depender na maneira como, inclusive, você se movimenta nos andares das construções, evitando o contato com os inimigos até mesmo por uma fina parede. Existe, ainda, a possibilidade de barganhar e realizar trocas de mantimentos quando os personagens em tela são favoráveis ao contato – o que, bem, depende basicamente de sorte. Tanto milícias, quanto soldados e até mesmo outros sobreviventes podem reagir de diversas maneiras ao encontrá-lo: ignorar, dialogar, barganhar, anunciar sua posição de maneira hostil e, finalmente, partir para o combate direto – o que pode significar um tiro na cabeça, ou pior. E acredite, há coisas bem piores.

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O sistema de combates foca no quesito do não-preparo. Ninguém manuseia com primazia os materiais que possui – e isso ajuda a distribuir, inclusive, tarefas entre os personagens. Contra as milícias e soldados bem armados, às vezes você terá uma faca e um pedaço de cano enferrujado, e nesses casos uma abordagem stealth talvez seja a melhor opção.

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Além dos cenários internos, também haverá a necessidade de progredir por fora das construções, como em parques infantis abandonados, pontes arruinadas, escolas em chamas. E é nesse momento que o autocontrole em relação à capacidade de interação com o ambiente e os demais personagens definirá o sucesso de retornar (ou não) para o abrigo.

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A trilha sonora do jogo, às vezes propositalmente ausente, é original e um show à parte, que em conjunção à edição e sonoplastia bem executadas, além do clima visual e mecânico, provocam uma contínua sensação de arrepio e desconforto – até mesmo em situações de calmaria.

As dificuldades objetivas evoluem de maneira tranquila. Nada atinge o intransponível em nenhuma situação. A questão é que as necessidades objetivas sempre estarão atreladas a ações subjetivas. Você deixaria uma mulher ser estuprada em um prédio abandonado, sabendo que isso poderá custar algumas batatas? Você salvaria a vida de uma criança gastando um medicamento que você claramente precisa?

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Existem praticamente infinitas opções para se conseguir os recursos necessários. Troca, procura, intimidação, desmantelamento e/ou desmontagem de aparelhos ou casas em ruínas, caça a animais domésticos e selvagens, aterrorizar pessoas inocentes, torturá-las e até mesmo matá-las. Em dado momento haverá a clara opção entre a incerteza da sobrevida e a possibilidade de trazer à ruína um casal de idosos simplesmente por uma garrafa d’água e alguns gramas de alimento.

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A empresa responsável pelo desenvolvimento, a pequena polonesa 11bit studios, concentrou todos os seus esforços em uma imersão psicológica. Não espere o mesmo tipo de abordagem que os chamados triple A (grandes desenvolvedoras, grandes distribuidoras) têm. A 11bit transpôs a criatividade, trazendo algo novo e corajoso.

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Não jogue This War of Mine como um título qualquer. Mergulhe de cabeça. Invista parte do seu tempo sabendo que será uma experiência devastadoramente inesquecível.

Gostou? Tem mais!

Clique e leia: Review de Game

Escrito por Equipe Proibido Ler

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