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Zoom (2016) | Quadrinhos, cinema e literatura sob um olhar diferente

Eu compro muita coisa apenas pela capa, se tem um visual que me agrada ou que me chame a atenção de alguma forma eu acabo comprando. E entenda o comprar não no sentido literal de pagar por algo e receber o produto, mas no sentido de consumo. Seja essa  “capa” como a manchete de um jornal, a embalagem de um produto, a capa de uma revista ou livro e até mesmo o display de um filme.

E foi esse último, que me chamou a atenção em Zoom. Por causa do display desse filme eu fiquei curioso em assistir, queria saber o que tinha além do visual impresso num papelão.

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O display exibia o cartaz do filme, o que me chamou a atenção e me fez “comprá-lo”.

Zoom é um filme que tem coprodução entre Brasil e Canadá, é dirigido pelo jovem cineasta Pedro Morelli (Entre Nós), escrito pelo canadense Matt Hansen e conta três histórias ao mesmo tempo (era para ser quatro histórias, mas uma delas foi descartada, segundo o diretor nos contou). Essas três histórias são interligadas de alguma forma, funciona como um estrutura de serpente comendo a própria cauda, num intenso exercício de metalinguagem.

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Logo de cara somos apresentados a história de Emma (Alison Pill), uma jovem que trabalha numa fábrica de bonecas sexuais moldada em silicone. Emma não é muito feliz com seu corpo, ela sente falta de algo nele, sente que precisa melhorar algo aqui ou ali, para ter uma aceitação melhor sua e da sociedade. Ela passa basicamente o dia na fábrica de bonecas, que na verdade é um antro da perfeição. Entre uma boneca e outra, ela se relaciona com Bob (Tyler Labine), seu chefe – um cara idiota que não contribui em nada para a  sua auto-estima. Na realidade, ele até piora toda a situação quando encontra o Sketchbook de Emma com um desenho dela mesma com seios enormes e diz que ela nunca terá um seios daquele tamanho. Emma além de trabalhar com as bonecas sexuais, é uma ótima quadrinhista e resolve fazer uma história em quadrinhos estrelando o homem dos seus sonhos, em contrapartida, ela resolve fazer também uma mudança drástica no seu corpo que vai mudar a sua vida.

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Em paralelo a essa história, conhecemos a vida de Michelle (Mariana Ximenes), uma modelo que trabalha no Canadá e está cansada de ser reconhecida apenas pela sua beleza e pela perfeição de seu corpo, ela não quer mais se entregar aos holofotes da superficialidade e decide se tornar uma escritora. Ao tomar a decisão, Michelle é desencorajada pelo seu companheiro Dale (Jason Priestley), ela o ignora e decide se isolar onde achou que jamais seria encontrada. Michelle parte para o Brasil, e encontra uma espécie de “retiro espiritual”, o lugar “perfeito” para escrever o famigerado livro.

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A terceira e última história tem como protagonista o mexicano Gael García Bernal, Edward é um cineasta que ficou muito conhecido por ter feito um filme de ação, mas que nesse atual momento de sua carreira, quer mostrar algo mais intimo, mais pessoal, um trabalho mais ligado ao cinema que carrega uma visão mais artística e poética de uma narrativa. Mas para conseguir fazer o seu trabalho acontecer ele acaba usando o sexo para manipular pessoas e assim, conquistar os seus anseios e objetivos. A história é totalmente feita em animação, que usa uma estética de semelhante a de Walking Life e A Scanner Darkly, ambos trabalhos do diretor Richard Linklater, sim, o mesmo de Boyhood – Da Infância à Juventude (2014).

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Essas três histórias se cruzam de uma forma inesperada, misturando quadrinhos, cinema e literatura. A história em quadrinhos desenhada pela Emma é o ponto que liga a trama de Edward que por sua vez, é o ponto que liga a trama de Michelle que está escrevendo o livro que liga o ponto com a narrativa de Emma. Criando assim um triangulo de tramas que se envolvem e são interligadas na estrutura de serpente.

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A ideia de Morelli é um tanto inovadora, pela primeira vez no Brasil um diretor conseguiu unir três linguagens num mesmo filme da forma tão madura. É bem comum vermos histórias em quadrinhos ou livros sendo adaptados para o cinema. Os sucessos que estreiam todos os anos nos cinemas pelo mundo estão aí para provar isso. Mas ele ousou ao criar um estilo diferente, Morelli botou Zoom como o filme que traz um novo olhar da unificação da sétima com a nona arte. O trabalho entre produção, elenco e direção está fantástico. E não se trata apenas disso, só para o roteiro ficar pronto foram necessários cinco anos de trabalho, foram necessários mais de 30 profissionais para transformar a sub-trama vivida por Gael em animação, por exemplo. Não é algo simples e nós sabemos disso. Se Pedro Morelli ousou em fazer algo novo e totalmente do zero, o produtor Niv Fichman, mesmo de Ensaio Sobre a Cegueira (2008) foi além disso. É dele que partiu a ideia de produzir filmes com cineastas jovens e através dele e de outros profissionais envolvidos entre Brasil e Canadá, o projeto Zoom começou.

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Se por ventura o potencial desse filme está em sua linguagem, produção e direção, Zoom peca em questão de roteiro e desenvolvimento dos personagens. Matt Hansen tinha boas histórias em suas mãos, mas entregou tudo com muita superficialidade, mesmo focando em questões envolvendo a própria estética corporal, como o homem que não está satisfeito com o próprio pênis, a mulher que está cansada de ser linda demais e busca um upgrade no intelecto ou a moça que achava que ter seios enormes era a chave do segredo do sucesso da vida feliz – isso é algo tão batido que ninguém enxerga mais como um diferencial. A questão de interligar todas as histórias acaba tornando tudo muito confuso, transformando o longa num exercício mental e muito disso, se potencializa com toda a metalinguagem envolvida.

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Dentre as três histórias exibidas em 96 minutos, a que mais se destaca é exatamente a de Gael García Bernal seguida da estrelada por Alison Pill, inclusive esta história lembra muito a de um filme francês chamado “Monique – Sempre Feliz (2002)”, e por último e menos empolgante, segue a história vivida por Mariana Ximenes e o problema não tem nada a ver com a atuação da atriz que é talentosíssima, que fique bem claro.

A trilha sonora e a fotografia do filme estão ótimas e teve até uma história bem legal envolvendo David Bowie, que faz parte da trilha sonora de Zoom. A produção queria o Bowie na trilha do longa, mas não tinha dinheiro para pagar o que a gravadora que detinha os direitos autoriais do artista queria que, segundo o diretor, era cinco vezes maior do que eles podiam pagar. Resultado, conseguiram fazer o David Bowie assistir o filme antes de morrer e ele gostou tanto que acabou liberando a música “Oh! You Pretty Things” pelo valor que a produção podia pagar.

Mas enfim, a impressão que dá em Zoom é que você viu mais um filme nacional que esteticamente é inovador, mas em termos de storytelling você sai do cinema com a sensação de: “Que loucura foi essa que eu acabei de assistir?”. Apesar de ter sido muito prestigiado no Sundance, o Festival de Toronto, e mesmo eu tendo gostado muito do filme de uma forma geral, acredito que dificilmente ele cairá no gosto da maioria.

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Escrito por Bruno Fonseca

Fundador e editor-chefe do PL. Jornalista apaixonado por quadrinhos, filmes, games e séries.

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