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Blind (2014) | A visão magnífica e obscura da mente

“Blind” é um filme norueguês de 2014, que mostra Eskil Vogt em seu primeiro trabalho como diretor. O roteiro é fabuloso, escrito pelo próprio diretor – que antes era só roteirista – e que agora chega para contemplar a sétima arte com seu olhar impecável.

Exibido em alguns festivais, o filme foi laureado como melhor filme estrangeiro e melhor roteiro no Festival Sundance 2014. E ainda abocanhou o Prêmio Label Europa Cinemas em Berlim.

Ultimamente o cinema tem vivido sua melhor fase, com tantos novos diretores, tendo visões magníficas exploradas na tela, esse longa só chega para confirmar isso. De todos os filmes que abordam a deficiência visual, nenhum me prendeu tanto quanto Blind. Nem mesmo a adaptação de  “Ensaio sobre a Cegueira”, livro do aclamado autor José Saramago.

blind-a-visao-magnifica-e-obscura-da-mente_5O diretor Eskil Vogt, declarou que quando começou a escrever sobre a mulher cega, sabia a distância entre ele e a personagem. Mas mesmo assim, à medida que ele escrevia, ia colocando mais e mais da própria personalidade nela.

Blind é sobre nossos pensamentos, fantasias, criatividade, estupidez, vergonha, imaginação sexual, tudo que nos agita internamente. E não apenas retrata a cegueira com maestria, retrata os seres humanos e a mente.

Traduzindo livremente o título “cega”, o filme é sutil, sensorial e inventivo. E por esse motivo, deve ser visto com muita atenção. `Para que a mensagem passada seja realmente compreendida pelo espectador. À medida em que o filme avança, novos personagens são introduzidos. O jogo de quadros, assim como a mistura da realidade com a imaginação, tornam o filme excitante, ao mesmo tempo que confunde. Então, fique atento ao assistir.

As reações, a imaginação, e o que realmente acontece, é uma linha tênue abordada nesta obra. Em uma cena em particular, onde um dos personagens escuta uma música bem alto por querer ser notado por uma mulher, aquele pretexto para criar um clima. É muito semelhante com relatos de primeiros encontros, ou “paixões de metrô”. E esse observar do diretor, faz toda diferença.

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Criar uma situação na nossa mente, imaginar como  seria sua execução. Conclui que ficar cego está dentre uma das maiores torturas da mente, pois tudo que conhecemos se desconstrói e se mistura. E tudo que vemos na escuridão, pode ser interpretado de forma errada.

Perder a visão deve ser uma das coisas mais perturbadoras. Ao contrário da pessoa que já nasce cega, que nunca viu o mundo com os olhos, que sempre teve todos os outros detalhes e sentidos já aguçados. Consegue se imaginar sem enxergar amanhã? Consegue entender a angústia? Esse filme consegue nos mostrar isso.

Pois bem, viver no escuro, em eterno conflito com nossa imaginação, Blind mostra perfeitamente isso. Tomando como ponto de partida, a personagem principal Ingrid (Ellen Dorrit Petersen), uma professora que perde a visão recentemente e que se isola na proteção de seu lar. “O real não importa, desde que eu visualize bem”, sintetiza Ingrid ao se apresentar para o espectador.

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Sem querer sair, ela é atormentada por sua própria mente, assim como muitos seres humanos em isolamento. Sua casa se torna um lugar onde ela pode se sentir no controle, mas existe algo que nem sempre controlamos: os sentimentos. A sós com seu marido, Morten (Henrik Rafaelsen), Ingrid se vê entre suas lembranças e imaginação.

Ela já não sabe o que existe, o que é concreto. Tudo que ela tem é sua escrita, seus pensamentos mais brilhantes e obscuros. Os verdadeiros problemas dela não estão na sua perda de visão, e sim na sua visão interior. As paredes de seu apartamento começam a desvendar seus medos e fantasias mais reprimidas. Ela não vê, e não quer ser vista por ninguém.

Usando o recurso fantástico da metalinguagem cinematográfica, Vogt nos conduz a um grande desvendar. Na sua trilha sonora cheia de nomes consagrados. Nos seus enquadramentos. No figurino. Nos cenários. Criando um roteiro dentro do próprio roteiro, o longa brinca com as artes de forma espetacular, assim como brinca com o medo dos personagens, e até mesmo com os nossos. Tocante e avassalador. Ele não trata o deficiente visual com piedade. Até porque ninguém merece ser tratado assim. Ele humaniza Ingrid, mostra seus defeitos, seus medos e sua mente.

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Ellen Dorrit Petersen, a atriz de beleza quase nórdica está fabulosa em sua atuação como protagonista. Ingrid nos transmite a verdadeira claustrofobia de perder a visão. Tanto humana, quanto da mente. Quando ela começa a narrar sua perda de visão, não faz como se fosse uma lamentação. Relata fielmente o que aconteceu. Das pequenas manchas em sua lente, até o diagnóstico do especialista.

É preciso muito tato para escolher esse filme. Afinal, pelo tema que ele aborda, é óbvio que a história nos invade. Em seus 96 minutos, não consegui desgrudar meus olhos da tela. Eskil Vogt foi brilhante ao nos mostrar a cegueira humana em vários aspectos. E nos encher de questionamentos antes do final. Quem é cego? Só aquele que não enxerga? A nossa mente? Ou a nossa visão da realidade? Questões delicadas demais para que eu responda por você.

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Blind não é apenas um filme sobre o deficiente visual. Ele aborda o modo como as vezes não conseguimos ver a realidade que está escancarada na nossa cara. Como começamos a criar coisas em nossa mente. Lembranças, associações, desejos, conflitos, medos. Blind também é sobre o nosso lado mais obscuro, nosso desejos sexuais, nossas fantasias, nossas memórias. O que nos separa dos animais irracionais e ao mesmo tempo nos torna tão semelhantes a eles.

blind-a-visao-magnifica-e-obscura-da-mente_6Os planos se encaixam perfeitamente a cada situação. Do inferno ao paraíso de Ingrid, vemos beleza, podridão, dor, sexo e alma. Algumas cenas do filme são explicitamente sexuais, incluindo nudez, pornografia, masturbação e voyeurismo. O diretor e roteirista brinca com nossa mente, assim como Ingrid brinca com a sua sexualidade e libido.
Uma mulher que ficou praticamente apática e insegura, em alguns momentos torna-se absurdamente interessante a ponto de atingir o auge de sua beleza e nos mostrar suas fantasias mais sujas.

A luta de Ingrid para conseguir viver e sobreviver na escuridão é fascinante, assim como sua transformação. Blind é a prova de que a verdadeira cegueira e limitação humana, é aquela que criamos dentro da mente.

Exibido no último Festival do Rio, Blind estreou no Brasil dia 5 de março de 2015.


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Escrito por Juliane Rodrigues (Exuliane)

Serial killer não praticante, produtora audiovisual de formação e redatora por vocação. Falo sério mas tô brincando no twitter @exuliane

manda nudes: [email protected]

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